Uma imersão na vida e obra do escultor Victor Brecheret

Postado em 05/08/2021
João Marcos Coelho
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Durante pouco mais de uma hora, na quinta-feira dia 29 de julho, a historiadora e crítica de arte Daisy Peccinini propôs uma verdadeira imersão na vida e na obra do escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret (1894-1955). Suas 12 esculturas expostas na Semana de Arte Moderna (no saguão do Teatro Municipal de Sâo Paulo em feveriro de 1922) o transformaram no escultor-símbolo do modernismo. Detalhe: o escultor estava radicado em Paris.

Pouco afeito a grandes revoluções estilísticas, o menino nascido em Farnese, próximo a Roma, veio com os tios maternos ao Brasil logo após a morte da mãe, em 1904. Daisy vem dedicando sua vida ao estudo de Brecheret. Professora associada do Museu de Arte Contemporânea da USP, museóloga e conselheira/curadora do Instituto Victor Brecheret, ela assina o catálogo raisonné do escultor e escreveu dois livros seminais sobre ele: “Brecheret e a Escola de Paris”, de 2011, e “Brecheret: a linguagem das formas”, publicado no ano seguinte.

Inspiração inicial em Rodin

A pesquisadora contou detalhes da vida do escultor, como, por exemplo, o fato de, como era comum entre os imigrantes italianos, ir a um cartório e modificar sua certidão de nascimento para a cidade de São Paulo.

– Pouco afeito aos estudos regulares – conta Daisy – era entregador de uma loja de sapatos na Rua Barão de Itapetininga, no centro da cidade. Por acaso, viu uma reprodução da escultura "O Pensador" de Rodin. Voltou para casa contando a todos que queria ser escultor. Amassava barro nas panelas da tia Antonia, modelava figuras e assava no fogão a lenha.

E acrescenta:

– As ligações maçônicas familiares – revela Daisy – levaram o arquiteto Ramos de Azevedo, também maçônico, a ajudá-lo. Assim, Victor estudou no Liceu de Artes e Ofícios e, em seguida, conseguiu meios para embarcar para a Itália, onde estudou em Roma com Arturo Dazzi.

Elemento polarizador dos anseios de modernidade

Foram seus anos de formação, entre 1913 e 1919. Na volta, de novo Ramos de Azevedo o ajudou, cedendo-lhe uma sala que virou seu estúdio no novíssimo Palácio das Indústrias, concebido e realizado pelo arquiteto. Descoberto por acaso por Mário e Oswald de Andrade, Menotti del Picchia e Guilherme de Almeida numa visita ao Liceu, transformou-se instantaneamente no que Daisy chama de “elemento polarizador dos anseios de modernidade que desembocariam na Semana de 22”. 

Durante a Semana, aliás, Brecheret estava radicado em Paris. Mas 12 de suas esculturas foram destaque no evento. A ligação com os modernistas fortaleceu-se quando seu projeto concorreu no concurso vencido por um escultor italiano em comemoração ao centenário da Independência: 

– Para se ter uma ideia da ligação de Brecheret com os modernistas, foi Mário de Andrade que escreveu o memorial descritivo do Monumento às Bandeiras, apresentado por maquete em gesso. Naquele momento, 1920, Brecheret recebeu bolsa de estudos para retornar à Europa, inicialmente de cinco anos, mas prorrogados até 1929.

'Eva', 'Cristo de trancinhas' e 'Monumento às Bandeiras'

Naquele momento, esculturas como "Eva" e o posteriormente famoso "Cristo de trancinhas" faziam furor entre os modernistas.

– Houve forte interação entre os modernistas e Brecheret – diz Daisy. – Brecheret foi convidado a criar uma máscara para a capa do livro de poemas "Máscaras", de Menotti del Picchia.

O “Monumento às Bandeiras” foi sua obsessão no restante de sua vida. A ponto de, em 1933, quando o governo de São Paulo assinou o contrato para concretização da obra, ele ter deixado Simone, sua primeira mulher, em Paris, e ter retornado a São Paulo. Trabalhou por vinte anos nessa obra gigantesca.

– Em monumentos desta envergadura era comum a utilização de mármore ou bronze. Mas Brecheret insistiu no granito, mais resistente – eplica a pesquisadora. 

Monumento às Bandeiras. Crédito da foto: site do Instituto Victor Brecheret

O monumento que ela considera “a obra-prima do escultor” só foi concluído em 1953, às vésperas das comemorações do quarto centenário de São Paulo”.

Na live da quinta-feira, dia 29 de julho, Daisy Peccinini contou tudo isso e muito mais sobre Victor Brecheret, um nome que retorna à ordem do dia em julho/agosto de 2021: um grupo de ativistas tentou incendiar a estátua do bandeirante Borba Gato, no bairro paulistano de Santo Amaro. A obra de 1963, aliás, é de um assistente de Brecheret, Júlio Guerra. Esta última é de gosto para lá de duvidoso, ao contrário do Monumento às Bandeiras. Mas é certo que ambas festejam os responsáveis, como escreve Darcy Ribeiro em seu livro “O povo brasileiro”, pela caça e/ou extermínio de quilombos e de índios. Só em relação a estes últimos, bandeirantes como Borba Gato, Raposo Tavares e Anhanguerra, entre outros, caçaram e venderam cerca de 300 mil, segundo Ribeiro, aos senhores de engenho do Nordeste. 

Próximo episódio

É um debate, portanto, em aberto. Na próxima quinta-feira, dia 5, o convidado da segunda temporada do Projeto Semana de 22 é o músico, compositor e produtor musical Cid Campos, filho de Augusto de Campos e seu parceiro. A conversa vai girar em torno do concretismo e suas repercussões na música popular brasileira. Não perca.

Sobre a série Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro

A série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" tem por objetivo construir, às vésperas da celebração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, um amplo, diversificado e profundo painel da arte e da cultura brasileira. Com curadoria e apresentação do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, os bate-papos são transmitidos pela página da Memória da Eletricidade no Youtube, sempre às quintas-feiras, às 18h.

Confira a programação da segunda temporada

Reinvenções modernistas no século XX

05/08
"Concretismo, Oswald e a música"
Com Cid Campos, músico, compositor e produtor musica

12/08
"Tropicália, Mutantes & o Modernismo"
Com Carlos Calado, jornalista, autor de “Tropicália —A história de uma revolução musical” e “A divina comédia dos Mutantes” (Editora 34)

19/08
"A arquitetura da segunda metade do século 20"
Com Paulo César Garcez Marin, historiador e curador do Museu Paulista

Foto do thumb: Victor Brecheret em seu estúdio. Crédito: site do Instituto Victor Brecheret.

João Marcos Coelho