A música popular e a Semana de 22

Postado em 15/07/2021
João Marcos Coelho
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Já se repetiu mil e uma vezes, desde o livro “Antecedentes da Semana de Arte Moderna”, de Mário da Silva Brito, publicado em 1964, que a Semana de 22 começou de fato cinco anos antes, em 1917, por meio da crítica devastadora que Monteiro Lobato publicou sobre a exposição de Anita Malfatti. Foi o estopim do movimento liderado por Mário e Oswald de Andrade em fevereiro de 1922 na mesma São Paulo.

Ledo (e Ivo) engano, como dizia a patota do “Pasquim” meio século atrás. Naquele mesmo ano, afirma Frederico Coelho, professor de literatura e pesquisas musicais da PUC-Rio, houve outro acontecimento tão ou mais importante do que a simbólica exposição da pintora Anita Malfatti:

– A gravação do primeiro samba, "Pelo Telefone", de Donga, no Rio de Janeiro. Aquela foi uma revolução extraordinária, um marco divisor de águas no universo da cultura popular.

Modernistas desconheceram o que rolava nas ruas de Rio e São Paulo

Na live de quinta-feira, 8 de julho, na segunda temporada da série “ "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro", Coelho acentuou que era novíssima a técnica da reprodução fonográfica. Parida na última década do século XIX, começava no finalzinho da Primeira Guerra Mundial a assumir um papel relevante nos primórdios da chamada cultura de massa.

Isso nos remete à primeira live da Semana de 22 da Memória da Eletricidade, em 18 de março passado, com o compositor Lívio Tragtenberg, que escreveu e lançou ano passado o livro “O que se ouviu e o que não se ouviu na Semana de 22”. E o que não se ouviu foi justamente a música popular. É sintomático da visão oficialesca da Semana esta distorção gravíssima dos modernistas de primeira hora: desconheceram o que rolava nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro. 


A partir dessa constatação, Fred Coelho, autor de um livrinho precioso, “A Semana Sem Fim”, em que foi fatiando quase década a década os “aggiornamenti”/”atualizações” que cada nova geração fez da Semana e do seu significado até a próxima efeméride, a do centenário, em fevereiro de 2022. Aos que se encantarem com esta narrativa, não deixem de saborear e se surpreender com seu livro preciso, em linguagem clara e estimulante, que traça um paralelo entre o que a Semana representou em 1922 e em diferentes momentos ao longo de nove décadas. 

A maior parte da live foi ocupada por essa leitura brilhante desse pesquisador que olha para a literatura, mas, saudavelmente, jamais esquece as demais artes, sobretudo a música popular – o fenômeno mais poderoso da cultura brasileira no último século.

Próximo episódio

Na próxima semana, Anita Malfatti volta ao centro do palco, com Tadeu Chiarelli, ex-curador do MAC-USP e da Pinacoteca do Estado de São Paulo, crítico e professor titular de Artes Plásticas da Escola de Comunicaçao e Artes da USP. Sua tese publicada em 1995 pela Edusp intiutula-se “Um Jeca nos Vernissagens” e joga um novo e inesperado olhar nessa polêmica, que em geral desanca Lobato e louva Malfatti.

Sobre a série Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro

A série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" tem por objetivo construir, às vésperas da celebração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, um amplo, diversificado e profundo painel da arte e da cultura brasileira. Com curadoria e apresentação do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, os bate-papos são transmitidos pela página da Memória da Eletricidade no Youtube, sempre às quintas-feiras, às 18h.

Confira a programação da segunda temporada

Reinvenções modernistas no século XX

15/07
"O impacto da Semana de 22 nas artes plásticas durante o século XX"
Com Tadeu Chiarelli, crítico de arte e professor de Artes Visuais - USP

22/07
"A arquitetura modernista"
Com Fernando Luiz Lara, arquiteto e professor titular da Universidade do Texas (EUA)

29/07
"A escultura modernista: Victor Brecheret"
Com Daisy Piccinini, historiadora e critica de arte

05/08
"Concretismo, Oswald e a música"
Com Cid Campos, músico, compositor e produtor musica

12/08
"Tropicália, Mutantes & o Modernismo"
Com Carlos Calado, jornalista, autor de “Tropicália —A história de uma revolução musical” e “A divina comédia dos Mutantes” (Editora 34)

19/08
"A arquitetura da segunda metade do século 20"
Com Paulo César Garcez Marin, historiador e curador do Museu Paulista

Foto do thumb: Zé Celso Martinez Corrêa em "O Rei da Vela" (foto: Divulgação/Jennifer Glass)


João Marcos Coelho