Já se repetiu mil e uma vezes, desde o livro “Antecedentes da Semana de Arte Moderna”, de Mário da Silva Brito, publicado em 1964, que a Semana de 22 começou de fato cinco anos antes, em 1917, por meio da crítica devastadora que Monteiro Lobato publicou sobre a exposição de Anita Malfatti. Foi o estopim do movimento liderado por Mário e Oswald de Andrade em fevereiro de 1922 na mesma São Paulo.
Ledo (e Ivo) engano, como dizia a patota do “Pasquim” meio século atrás. Naquele mesmo ano, afirma Frederico Coelho, professor de literatura e pesquisas musicais da PUC-Rio, houve outro acontecimento tão ou mais importante do que a simbólica exposição da pintora Anita Malfatti:
– A gravação do primeiro samba, "Pelo Telefone", de Donga, no Rio de Janeiro. Aquela foi uma revolução extraordinária, um marco divisor de águas no universo da cultura popular.
Na live de quinta-feira, 8 de julho, na segunda temporada da série “ "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro", Coelho acentuou que era novíssima a técnica da reprodução fonográfica. Parida na última década do século XIX, começava no finalzinho da Primeira Guerra Mundial a assumir um papel relevante nos primórdios da chamada cultura de massa.
Isso nos remete à primeira live da Semana de 22 da Memória da Eletricidade, em 18 de março passado, com o compositor Lívio Tragtenberg, que escreveu e lançou ano passado o livro “O que se ouviu e o que não se ouviu na Semana de 22”. E o que não se ouviu foi justamente a música popular. É sintomático da visão oficialesca da Semana esta distorção gravíssima dos modernistas de primeira hora: desconheceram o que rolava nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
A partir dessa constatação, Fred Coelho, autor de um livrinho precioso, “A Semana Sem Fim”, em que foi fatiando quase década a década os “aggiornamenti”/”atualizações” que cada nova geração fez da Semana e do seu significado até a próxima efeméride, a do centenário, em fevereiro de 2022. Aos que se encantarem com esta narrativa, não deixem de saborear e se surpreender com seu livro preciso, em linguagem clara e estimulante, que traça um paralelo entre o que a Semana representou em 1922 e em diferentes momentos ao longo de nove décadas.
A maior parte da live foi ocupada por essa leitura brilhante desse pesquisador que olha para a literatura, mas, saudavelmente, jamais esquece as demais artes, sobretudo a música popular – o fenômeno mais poderoso da cultura brasileira no último século.
Na próxima semana, Anita Malfatti volta ao centro do palco, com Tadeu Chiarelli, ex-curador do MAC-USP e da Pinacoteca do Estado de São Paulo, crítico e professor titular de Artes Plásticas da Escola de Comunicaçao e Artes da USP. Sua tese publicada em 1995 pela Edusp intiutula-se “Um Jeca nos Vernissagens” e joga um novo e inesperado olhar nessa polêmica, que em geral desanca Lobato e louva Malfatti.
A série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" tem por objetivo construir, às vésperas da celebração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, um amplo, diversificado e profundo painel da arte e da cultura brasileira. Com curadoria e apresentação do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, os bate-papos são transmitidos pela página da Memória da Eletricidade no Youtube, sempre às quintas-feiras, às 18h.
15/07
"O impacto da Semana de 22 nas artes plásticas durante o século XX"
Com Tadeu Chiarelli, crítico de arte e professor de Artes Visuais - USP
22/07
"A arquitetura modernista"
Com Fernando Luiz Lara, arquiteto e professor titular da Universidade do Texas (EUA)
29/07
"A escultura modernista: Victor Brecheret"
Com Daisy Piccinini, historiadora e critica de arte
05/08
"Concretismo, Oswald e a música"
Com Cid Campos, músico, compositor e produtor musica
12/08
"Tropicália, Mutantes & o Modernismo"
Com Carlos Calado, jornalista, autor de “Tropicália —A história de uma revolução musical” e “A divina comédia dos Mutantes” (Editora 34)
19/08
"A arquitetura da segunda metade do século 20"
Com Paulo César Garcez Marin, historiador e curador do Museu Paulista
Foto do thumb: Zé Celso Martinez Corrêa em "O Rei da Vela" (foto: Divulgação/Jennifer Glass)