Semana de 22: da vanguarda à retaguarda de 1945 em diante

Postado em 24/06/2021
João Marcos Coelho
Compartilhar


Em seus anos finais de vida, Mário de Andrade, que morreu em fevereiro de 1945, mergulhou de cabeça na luta pela arte social, ou seja, a arte politicamente empenhada. Um tanto pelas novas amizades adquiridas em seu “exílio” carioca, entre 1938 e 1941, outro tanto porque, pela primeira vez na vida, ele, autodidata polímata, viu-se confrontado com novas gerações já formadas na recém-fundada Universidade de Sâo Paulo.

– E se intimidou com aqueles jovens pesquisadores, é preciso reconhecer – afirma Jorge Coli, professor titular de História da Arte e Cultura na Unicamp, que estudou em profundidade o período final da vida do dublê de musicólogo, escritor, poeta, jornalista, gestor cultural, um dos intelectuais que não se limitaram a pensou o Brasil. Mário concebeu e pôs em prática a institucionalização da cultura em São Paulo, um projeto-piloto para o país, infelizmente abortado pelo Estado Novo de 1937.

Durante 70 minutos, Coli trouxe à tona uma figura mais ambígua, torturada mesmo, de Mário. A conversa da última quinta-feira, 17 de junho, parte da série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" e disponível no canal do Youtube da Memória da Eletricidade, acabou se encaminhando para o eixo da música. Não por acaso, uma das maiores, senão a maior, paixão da vida de Coli, que também é colaborador da “Folha de S. Paulo” e da revista “Concerto”. 

Coli, libretista de boa experiência

No domínio musical, ele é particularmente apaixonado pela ópera. E já pode ser considerado um libretista com boa experiência. Já assinou libretos para Jorge Antunes, Ronaldo Miranda e Leonardo Martinelli. O último deles, com Martinelli, levou-o a adaptar o conto “O Peru de Natal”, de Mário de Andrade, para a ópera que estreou em dezembro de 2019 no Teatro São Pedro, em São Paulo.

A retaguarda do título desse texto refere-se justamente ao itinerário musical de Mário: de vanguardista na Semana de 22, acabou deixando como principal legado, ao menos no domínio musical, uma postura nacionalista ferrenha:

– Jamais simplista – ressalva Coli – pois Mário estava longe de ser um simplório.

Concepção retrógrada e nacionalismo

Mas o fato é que seu legado na área musical transformou-se na concepção retrógrada de um nacionalismo que marginalizou grandes compositores brasileiros do período, como Henrique Oswald, contemporâneo de Villa-Lobos, que teve o azar de adotar uma postura internacionalista. 

– A chamada escola nacionalista, com Villa à frente, e o mais dileto discípulo de Mário, Camargo Guarnieri, travaram uma guerra encarniçada com as vanguardas que absorviam as novidades europeias – diz Coli.

Novidades como a música serial de Arnold Schoenberg e os experimentos eletrônicos e eletroacústicos, trazidos para o Brasil no final dos anos 1930, por Hanns Joachim Koellreutter. Este chegou ao Rio de Janeiro como flautista e logo assumiu o espaço de líder da vanguarda. Nomes como Cláudio Santoro e Guerra-Peixe, Edino Krieger e Eunice Catunda não tinham espaço para sua música moderna. Não por acaso, os três acabaram abraçando o nacionalismo.

– Um nacionalismo que se integrou à agenda do Estado Novo alegremente e foi solenemente rechaçado pelas vanguardas do pós-segunda guerra mundial, como o concretismo na poesia e o abstracionismo nas artes plásticas – segundo Coli. 

'Os jovens não têm vergonha de perguntar'

Uma rica conversa, muito clara e objetiva, virtudes raras de Jorge Coli, um professor doutor que prefere dar aulas para a graduação no Instituto de Artes da Unicamp:

– Os jovens não têm vergonha de perguntar – comenta rindo.

E eu concordo sorrindo, porque nós jornalistas temos sempre como bandeira justamente praticar em nosso dia-a-dia a falta de vergonha de perguntar tudo que nos vem à cabeça, sem medo de vexames. Pois é assim que se constroem conversas enriquecedoras.

Sobre a série Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro

A série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" tem por objetivo construir, às vésperas da celebração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, um amplo, diversificado e profundo painel da arte e da cultura brasileira. Com curadoria e apresentação do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, os bate-papos são transmitidos pela página da Memória da Eletricidade no Youtube, sempre às quintas-feiras, às 18h.

Próximo episódio

Na próxima quinta-feira, 24 de junho, teremos o privilégio de receber o escritor e crítico literário Silviano Santiago para uma conversa sobre como a poesia e a literatura reinventaram, a partir do pós-Segunda Guerra Mundial, os petardos detonados em 1922, que infelizmente, como Jorge Coli demonstrou, acabaram se transformando em uma postura nacionalista reacionária: "Por isso mesmo”, lembrou Coli, “os concretos mudaram de ídolo: trocaram Mário por Oswald”.

Confira a programação da segunda temporada

Reinvenções modernistas no século XX

24/06
"Literatura e Poesia pós-Semana de 22"
Com Silviano Santiago, escritor e crítico literário

01/07
"Deglutindo o modernismo: o teatro de Zé Celso e Antunes Filho"
Com Oswaldo Mendes, ator e dramaturgo

08/07
"A Semana sem fim"
Com Frederico Coelho, pesquisador e professor de literatura da PUC-Rio

15/07
"O impacto da Semana de 22 nas artes plásticas durante o século XX"
Com Tadeu Chiarelli, crítico de arte e professor de Artes Visuais - USP

22/07
"A arquitetura modernista"
Com Fernando Luiz Lara, arquiteto e professor titular da Universidade do Texas (EUA)

29/07
"A escultura modernista: Victor Brecheret"
Com Daisy Piccinini, historiadora e critica de arte

05/08
"Concretismo, Oswald e a música"
Com Cid Campos, músico, compositor e produtor musica

12/08
"Tropicália, Mutantes & o Modernismo"
Com Carlos Calado, jornalista, autor de “Tropicália —A história de uma revolução musical” e “A divina comédia dos Mutantes” (Editora 34)

19/08
"A arquitetura da segunda metade do século 20"
Com Paulo César Garcez Marin, historiador e curador do Museu Paulista

João Marcos Coelho