Sérgio Milliet, o intelectual poliédrico da Semana de 22, injustamente esquecido

Postado em 12/05/2021
João Marcos Coelho
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Escritor, crítico de arte, sociólogo, professor, tradutor, pintor. Sérgio Milliet (1898-1966) foi um dos mais versáteis e inclusivos personagens da Semana de Arte Moderna de 1922, hoje inexplicavelmente esquecido quando se fala do evento mais emblemático da cultura brasileira, que lançou dardos ao futuro de modo impactante e até hoje pulsa e frequenta as reflexões dos que “pensam” a arte e a cultura no país.

Em uma hora de conversa, na quinta-feira, dia 6 de maio, a figura deste intelectual polígrafo adquiriu contornos mais nítidos, graças ao historiador Carlos Guilherme Mota, professor aposentado do Departamento de História da USP, que já dirigiu o Instituto de Estudos Avançados da USP e hoje dá aulas na Universidade Mackenzie, em São Paulo. Ele está preparando um livro sobre Milliet, e adiantou algumas de suas pesquisas.

Um intelectual oblíquo

Num momento em que a arte e a cultura abraçavam o nacionalismo tal como formulado por Mário de Andrade, Milliet já pensava numa arte definida basicamente em função de seu aspecto social. Ele via a arte como “expressão cultural que só alcança seu objetivo social de comunicação quando exprime com fidelidade o nosso modo de viver e sentir característico, ou melhor, o modo de sentir e viver da maioria".

“Intelectual oblíquo”, na definição do professor da História-USP Francisco Alambert, que não se conformou com polarizações então já em voga e ainda presente hoje na vida brasileira. Carlos Guilherme prefere defini-lo como “poliédrico”. Afinal, diz ele: “Milliet foi um excepcional tradutor, como provou nos ‘Ensaios’ de Montaigne; foi poeta e pintor; fundou a Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA) e foi curador decisivo das primeiras Bienais de Arte em São Paulo. Também, ao dirigir a Biblioteca Municipal de Sâo Paulo, hoje Biblioteca Mário de Andrade, criou uma importante Seção de Arte, com telas, reproduções e ampla bibliografia”.

Seus escritos jornalísticos foram reunidos nos dez volumes de seu “Diário Crítico”. Sua obra poética retratou sua independência em relação às receitas mais rasteiras do movimento, como nestes versos de seu poema “Saudade”:

Para que me acreditem poeta modernista
falo de trilhos
de automóveis
mas como me pesa esse exotismo do aço.

Neste poema de 1925 – apenas três anos após a Semana –, ele já reclamava de se ter as coisas do Brasil como material obrigatório para se pensar a modernidade. Nesse sentido, distanciava-se dos dois Andrades, Oswald e Mário.

– Uma reação natural – afirma Carlos Guilherme Mota. Vinda de quem, como ele, educou-se na Europa a partir dos 14 anos. Em Genebra, na Suíça, e depois em Paris. Milliet era um cosmopolita, tinha uma visão pacifista humanista, à Romain Rolland e Stefan Zweig, num momento em que o nacionalismo se afirmava como avenida principal do modernismo brasileiro dos anos 1930.

Dificuldades financeiras e amizade com Tarsila do Amaral

Sempre às voltas com dificuldades financeiras, Milliet teve “empregos humildes”, segundo Carlos Guilherme:

– Seu primeiro emprego foi como balconista numa loja de ferragens na rua Florêncio de Abreu, em São Paulo. E, mesmo na Europa, chegou a ensinar tango para as senhoras entediadas de Genebra.

"O Homem Azul", retrato de Sérgio Milliet pintado por Tarsila do Amaral

Uma amizade íntima com Tarsila do Amaral levou-a a retratá-lo no belo quadro “O Homem Azul”. Milliet também foi professor de estética na Escola de Sociologia e Política, fundada em 1933, um ano antes da Universidade de São Paulo. Nas décadas finais de vida, Milliet começou a pintar. E aí comentou, segundo Carlos Guilherme Mota, que se soubesse que era tão difícil esta arte, teria sido mais condescendente ao escrever suas críticas de arte.

O historiador indica o livro ideal para conhecer o seu universo poliédrico: “Sérgio Milliet Cem Anos”, organizado por Lisbeth Rebollo Gonçalves (Imprensa Oficial, 2004).

Próximo episódio

Amanhã, dia 13 de maio, o jornalista e crítico literário Manuel da Costa Pinto, curador do Prêmio Oceanos de Literatura, conversa sobre a força da poesia modernista.

Programação

Confira a programação completa da primeira temporada da série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro". Os episódios são transmitidos sempre às quintas-feiras, às 18h, no canal da Memória de Eletricidade no Youtube.

Tudo que você precisa saber sobre a semana de 22:

Maio:

13/5 – A força da poesia modernista – Com Manuel da Costa Pinto, jornalista, crítico literário e curador do Prêmio Oceanos.

20/5 – A Semana e as vanguardas latino-americanas na década de 1920 – Viviana Gelado, professora de literatura latino-americana na Universidade Federal Fluminense (UFF), autora de "Poéticas da transgressão: vanguarda e cultura popular nos anos 20 na América Latina".

27/5 – Revolução nas Artes Plásticas: Anita Malfatti, Tarsila e a Semana de 22 – Com Francisco Alambert, professor de História da Arte e Cultura Contemporânea, História (USP) professor de História da Arte e Cultura Contemporânea, História (USP) e autor de "A Semana de 22 - A aventura modernista no Brasil".  

João Marcos Coelho