Oswald, Mário e Antônio Cândido: Polêmicas, tramas e essência do Modernismo

Postado em 08/04/2021
João Marcos Coelho
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A terceira live da primeira temporada do projeto "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" da Memória da Eletricidade – no dia 1º. de abril passado, com Maria Augusta Fonseca, professora de pós-graduação de teoria literária da USP – revelou detalhes das íntimas relações intelectuais e de amizade entre Oswald de Andrade e Mário de Andrade, duas figuras-chave do movimento modernista de 1922, e também deles com o maior crítico literário brasileiro, Antônio Cândido. Este último foi casado por mais de meio século com Gilda de Mello e Souza, prima de segundo grau de Mário, primeira professora de Estética do Departamento de Filosofia da USP e autora de “O tupi e o alaúde”, um dos livros mais importantes e encantadores dedicado a “Macunaíma”, obra-prima de Mário.

Nenhuma metáfora é mais adequada do que um índio tupi tocando um alaúde, instrumento árabe transplantado para a Europa ainda na Idade Média, para caracterizar a questão central da Semana de 22 e da própria cultura brasileira: como conjugar nacionalismo e a sempre avassaladora influência das sempre poderosas e hegemônicas artes e cultura europeias. E foi esta questão essencial na arte e cultura de todos os países não-europeus que aflorou de modo crucial na rica conversa com a biógrafa de Oswald de Andrade (Editora Globo, 2007).

Piadista de gênio, Oswald de Andrade (1890-1954) foi o mais polêmico personagem da Semana. Era capaz de arriscar-se a perder um amigo como Mário de Andrade por uma piada bem encaixada. Um exemplo: numa roda com amigos dos dois Andrades, Oswald disse, em alto e bom som, que Mário não considerava Villa-Lobos um bom compositor. Espanto geral. A conversa terminou, Oswald afastou-se... e os amigos comuns correram sem seguida para Mário, que negou ter desqualificado Villa-Lobos, um compositor sobre o qual era um dos poucos, ainda na década de 20, a considerar o maior criador musical brasileiro. Mário cobrou Oswald, que respondeu candidamente: “Menti”.

Mais do que mero pianista de salão

Mas Oswald foi muito mais do que mero pianista de salão. Como escreveu Antonio Cândido em 1974, ele foi “uma espécie de preparador do Modernismo, sugerindo a ruptura com os velhos padrões, estimulando rebeldias estéticas, agitando o meio no sentido de uma mudança cujos rumos não discernia claramente, embora a sentisse indispensável”.

– O seu – diz Maria Augusta – foi um modernismo antropofágico, de quem devora a arte e cultura europeias a fim de transformá-la em carne e sangue nossos, remetendo à feliz expressão de Cândido.

Entre “Memórias Sentimentais de João Miramar” (1924) e “Serafim Ponte Grande” (1933),. os poemas – epigramas como um intitulado “Amor” cujo único verso é uma palavra: “humor" – os manifestos e os 600 “telefonemas” semanais escritos por uma década (1944-1954), qual a maneira mais adequada para se começar a entender o mundo de Oswald?:

– Com suas memórias – recomenda Maria Augusta.

“Um homem sem profissão – Memórias e Confissões: Sob as ordens de mamãe” (1954) foi escrito por insistência de Antonio Cândido, e é a porta de entrada para o vertiginoso mundo de um escritor que fez do gosto incessante pela mudança e pelo movimento sua maior característica. Alguém que zoou a tudo e a todos – sobretudo a si mesmo, suprema honestidade.

Próximo episódio:

Na próxima quinta-feira, o professor de Estética da PUC-Rio de Janeiro Eduardo Jardim vai conversar sobre sua especialidade: a estética de Mário de Andrade. Ele escreveu a biografia de Mário “Eu sou trezentos” e um livro só sobre os anos entre 1938 e 1941 em que o autor de “Macunaíma” viveu e trabalhou no Rio de Janeiro, entre outros.

Programação

Confira a programação completa da primeira temporada da série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro". Os episódios são transmitidos sempre às quintas-feiras, às 18h, no canal da Memória de Eletricidade no Youtube.

Tudo que você precisa saber sobre a semana de 22:

Abril:

8/4 – Frutos do exílio carioca na estética de Mário de Andrade – A estética e o “exílio” de Mário de Andrade no Rio de Janeiro, entre 1938 e 1941, com o professor Eduardo Jardim, de Filosofia na PUC-RJ e autor de “Mário de Andrade, a morte do poeta” (2005) e da biografia “Mário – Eu Sou Trezentos” (2015), entre outros livros sobre o modernismo brasileiro.

15/4 – Os intelectuais na década de 1920 – Com Milton Lahuerta, professor da UNESP-Araraquara(SP), autor de “A década de 20 e as origens do Brasil moderno” (Ed. Unesp). 

29/4 – Está tudo nas cartas – Mário de Andrade foi o maior missivista do Brasil no século XX. Escreveu cartas prodigiosamente, fez delas seu jeito de conversar com os amigos mas também com todos os que o procuraram. Com Marcos Antonio de Moraes, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e autor de “Orgulho de jamais aconselhar – a epistolografia de Mário de Andrade” (Edusp, 2007).  

Maio:

6/5 – O grande esquecido – Sérgio Milliet – Com o historiador Carlos Guilherme Mota, professor emérito da USP e Mackenzie, que prepara um livro sobre Milliet.  

13/5 – A força da poesia modernista – Com Manuel da Costa Pinto, jornalista, crítico literário e curador do Prêmio Oceanos.

20/5 – A Semana e as vanguardas latino-americanas na década de 1920 – Viviana Gelado, professora de literatura latino-americana na Universidade Federal Fluminense (UFF), autora de "Poéticas da transgressão: vanguarda e cultura popular nos anos 20 na América Latina".

27/5 – Revolução nas Artes Plásticas: Anita Malfatti, Tarsila e a Semana de 22 – Com Francisco Alambert, professor de História da Arte e Cultura Contemporânea, História (USP) professor de História da Arte e Cultura Contemporânea, História (USP) e autor de "A Semana de 22 - A aventura modernista no Brasil".  

João Marcos Coelho