A terceira live da primeira temporada do projeto "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" da Memória da Eletricidade – no dia 1º. de abril passado, com Maria Augusta Fonseca, professora de pós-graduação de teoria literária da USP – revelou detalhes das íntimas relações intelectuais e de amizade entre Oswald de Andrade e Mário de Andrade, duas figuras-chave do movimento modernista de 1922, e também deles com o maior crítico literário brasileiro, Antônio Cândido. Este último foi casado por mais de meio século com Gilda de Mello e Souza, prima de segundo grau de Mário, primeira professora de Estética do Departamento de Filosofia da USP e autora de “O tupi e o alaúde”, um dos livros mais importantes e encantadores dedicado a “Macunaíma”, obra-prima de Mário.
Nenhuma metáfora é mais adequada do que um índio tupi tocando um alaúde, instrumento árabe transplantado para a Europa ainda na Idade Média, para caracterizar a questão central da Semana de 22 e da própria cultura brasileira: como conjugar nacionalismo e a sempre avassaladora influência das sempre poderosas e hegemônicas artes e cultura europeias. E foi esta questão essencial na arte e cultura de todos os países não-europeus que aflorou de modo crucial na rica conversa com a biógrafa de Oswald de Andrade (Editora Globo, 2007).
Piadista de gênio, Oswald de Andrade (1890-1954) foi o mais polêmico personagem da Semana. Era capaz de arriscar-se a perder um amigo como Mário de Andrade por uma piada bem encaixada. Um exemplo: numa roda com amigos dos dois Andrades, Oswald disse, em alto e bom som, que Mário não considerava Villa-Lobos um bom compositor. Espanto geral. A conversa terminou, Oswald afastou-se... e os amigos comuns correram sem seguida para Mário, que negou ter desqualificado Villa-Lobos, um compositor sobre o qual era um dos poucos, ainda na década de 20, a considerar o maior criador musical brasileiro. Mário cobrou Oswald, que respondeu candidamente: “Menti”.
Mas Oswald foi muito mais do que mero pianista de salão. Como escreveu Antonio Cândido em 1974, ele foi “uma espécie de preparador do Modernismo, sugerindo a ruptura com os velhos padrões, estimulando rebeldias estéticas, agitando o meio no sentido de uma mudança cujos rumos não discernia claramente, embora a sentisse indispensável”.
– O seu – diz Maria Augusta – foi um modernismo antropofágico, de quem devora a arte e cultura europeias a fim de transformá-la em carne e sangue nossos, remetendo à feliz expressão de Cândido.
Entre “Memórias Sentimentais de João Miramar” (1924) e “Serafim Ponte Grande” (1933),. os poemas – epigramas como um intitulado “Amor” cujo único verso é uma palavra: “humor" – os manifestos e os 600 “telefonemas” semanais escritos por uma década (1944-1954), qual a maneira mais adequada para se começar a entender o mundo de Oswald?:
– Com suas memórias – recomenda Maria Augusta.
“Um homem sem profissão – Memórias e Confissões: Sob as ordens de mamãe” (1954) foi escrito por insistência de Antonio Cândido, e é a porta de entrada para o vertiginoso mundo de um escritor que fez do gosto incessante pela mudança e pelo movimento sua maior característica. Alguém que zoou a tudo e a todos – sobretudo a si mesmo, suprema honestidade.
Próximo episódio:
Na próxima quinta-feira, o professor de Estética da PUC-Rio de Janeiro Eduardo Jardim vai conversar sobre sua especialidade: a estética de Mário de Andrade. Ele escreveu a biografia de Mário “Eu sou trezentos” e um livro só sobre os anos entre 1938 e 1941 em que o autor de “Macunaíma” viveu e trabalhou no Rio de Janeiro, entre outros.
Confira a programação completa da primeira temporada da série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro". Os episódios são transmitidos sempre às quintas-feiras, às 18h, no canal da Memória de Eletricidade no Youtube.
Tudo que você precisa saber sobre a semana de 22:
Abril:
8/4 – Frutos do exílio carioca na estética de Mário de Andrade – A estética e o “exílio” de Mário de Andrade no Rio de Janeiro, entre 1938 e 1941, com o professor Eduardo Jardim, de Filosofia na PUC-RJ e autor de “Mário de Andrade, a morte do poeta” (2005) e da biografia “Mário – Eu Sou Trezentos” (2015), entre outros livros sobre o modernismo brasileiro.
15/4 – Os intelectuais na década de 1920 – Com Milton Lahuerta, professor da UNESP-Araraquara(SP), autor de “A década de 20 e as origens do Brasil moderno” (Ed. Unesp).
29/4 – Está tudo nas cartas – Mário de Andrade foi o maior missivista do Brasil no século XX. Escreveu cartas prodigiosamente, fez delas seu jeito de conversar com os amigos mas também com todos os que o procuraram. Com Marcos Antonio de Moraes, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e autor de “Orgulho de jamais aconselhar – a epistolografia de Mário de Andrade” (Edusp, 2007).
Maio:
6/5 – O grande esquecido – Sérgio Milliet – Com o historiador Carlos Guilherme Mota, professor emérito da USP e Mackenzie, que prepara um livro sobre Milliet.
13/5 – A força da poesia modernista – Com Manuel da Costa Pinto, jornalista, crítico literário e curador do Prêmio Oceanos.
20/5 – A Semana e as vanguardas latino-americanas na década de 1920 – Viviana Gelado, professora de literatura latino-americana na Universidade Federal Fluminense (UFF), autora de "Poéticas da transgressão: vanguarda e cultura popular nos anos 20 na América Latina".
27/5 – Revolução nas Artes Plásticas: Anita Malfatti, Tarsila e a Semana de 22 – Com Francisco Alambert, professor de História da Arte e Cultura Contemporânea, História (USP) professor de História da Arte e Cultura Contemporânea, História (USP) e autor de "A Semana de 22 - A aventura modernista no Brasil".