Charges e cartuns brasileiros

A história do setor energético por meio da visão popular

Postado em 02/04/2024
Dandara Magalhães

Dandara Magalhães é mestre e doutoranda em Comunicação pelo PPGCOM-UFF e bacharel em Estudos de Mídia pela UFF. Como pesquisadora, esteve a frente de pesquisas que exploram o uso do humor pela comunicação tanto on, quanto off-line, a reprodução de conteúdos humorísticos associados a estratégias políticas e, atualmente, sua pesquisa é voltada para as plataformas de mídias digitais, disputa de narrativa e desinformação.

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Em 1989, a Memória da Eletricidade produziu uma exposição itinerante intitulada "Energia e Memória no Traço do Humor", que tinha o objetivo mostrar o setor de energia elétrica por meio de aspectos do comportamento da sociedade brasileira. Para tanto, charges e caricaturas foram utilizadas para exemplificar a evolução do uso da eletricidade no Brasil.

Em diversos momentos históricos as charges estiveram presentes, ilustrando o cenário político vivido. Os artistas do início do século XX, por exemplo, depararam-se com o contexto de guerras e utilizaram o momento para disseminar informações com suas charges. 

No Brasil, ao tentar conceituar historicamente as primeiras aparições de ilustrações de viés caricato na imprensa, chegamos no início do século XIX, quando a charge e a caricatura começam a surgir como recurso narrativo, que serve tanto para denunciar como para elucidar assuntos político-sociais de maneira mais lúdica.



Mas, afinal, qual é a diferença entre charge, cartum e caricatura? 

O mais acertado nas pesquisas que diferenciam os formatos é a conclusão de que as charges apresentam uma crítica relacionada a um acontecimento social atual com olhar humorístico, por isso seu uso está constantemente atrelado à caricatura, estilo de desenho que exacerba características pessoais. A ligação com o jornalismo e com assuntos atuais da sociedade é o principal traço diferenciador da charge para o cartum, onde o desenhista não tem nenhum vínculo com a história ou política atual.

A utilização de ilustrações nos formatos de caricaturas, cartuns e charges disseminou-se como uma forma de comunicação direta e simples para lidar com o público de massa à época, predominantemente analfabeto. Ao se popularizarem em um momento onde há maioria de iletrados ou semi-analfabetos, cria-se a possibilidade de inserção dessas pessoas na cultura por meio de imagens, mantendo-as atualizadas a respeito dos principais acontecimentos e eventos políticos. Entre as vantagens da história ilustrada estão, portanto, a sua concisão e clareza que, em condições de igualdade, têm maior agilidade alcançando um maior número de mentes.

Surge, assim, uma imprensa mais caricata, que representa a rotina urbana. Acompanhados ou não de textos de cunho político ou social, essas imagens satirizavam ou criticavam as atitudes dos homens públicos. No Brasil, o fenômeno começa a se popularizar do meio para o final do século XIX e ilustrava de maneira sucinta e clara a vida da monarquia de Portugal no Brasil. O Rio de Janeiro desta época viveu grandes evoluções importantes para a vida moderna e a eletricidade, como importante aquisição para o país, torna-se uma das pautas comumente abordadas em charges.

Em 1887 a eletricidade começou a mover veículos por tração, os bondes elétricos chegaram aos bairros de São Cristóvão – então casa da monarquia – e de Vila Isabel. Os veículos tomaram a atenção das revistas ilustradas e jornais, que mostravam de maneira irônica a experiência, criticando o funcionamento e perigos do meio de transporte.  


Os ilustradores do início do século XX já nos apresentavam, em suas produções, temas sociais que falavam do impacto político do fim da monarquia. Desde o início da República, é possível encontrar charges voltadas para os temas políticos vividos pela sociedade da época. A utilização de ilustrações no formato de charges se disseminam como uma comunicação direta e simples. Se nas charges os ilustradores encontram espaço para veiculação das diferenças sociais vividas, o fim do Império e início da República formaram o cenário ideal para críticas.

Isso se torna claro ao observar a evolução do uso de charges por parte dos meios de comunicação ao longo, principalmente, do século XX. Nas décadas de 1950 e 1960 os cartunistas publicavam suas ilustrações em revistas semanais como “O Cruzeiro”, porém, como o início do período de ditadura vivido no fim da década de 1960 e nas décadas de 1970 e 1980, a censura gera uma demanda de crescimento da imprensa alternativa e revistas como “O Pasquim” ganham popularidade, pois circulam conteúdos de humor em diversos formatos.

Na ditadura brasileira, período marcado pela censura, temos a ascensão de grandes desenhistas e cartunistas como Henfil, que ganha espaço no cenário nacional, com desenhos politizados e até mesmo violentos. Muitas das suas charges e de seus colegas, criticavam o governo e sua gestão como, por exemplo, os altos valores que a população passou a pagar pela energia. 

A charge como imagem humorística apresenta uma associação à construção de personagens com um efeito de síntese de aspectos visuais, reduzindo uma iconografia de forma que, mesmo os traços simples e rápidos como o de Henfil, é capaz de produzir reconhecimentos visuais.

O gênero constrói-se em meio às críticas sociais e se estabelece dentro da imprensa como ilustração de caráter político, que constrói sua narrativa utilizando a sátira como aliada. Para que o leitor compreenda seu contexto, é necessário que o mesmo tenha conhecimento de outros textos que permeiam o sentido da produção, que podem ser encontrados, muitas vezes, no restante do jornal ou em outras bagagens necessárias para compreender o contexto apontado pelo chargista.

Do Brasil Império ao contemporâneo, é possível perceber os elementos que se mantiveram entre as charges e cartuns, bem como assuntos que de uma maneira ou de outra sempre serão parte do debate em sociedade. A forma como a energia elétrica é retratada por esses artistas é apenas uma das múltiplas reivindicações que eles preenchem quando, por exemplo, ocupam o lugar de “voz do povo” em grandes canais de notícia.

Para além desse efeito de reivindicação de direitos característico das charges e por obter um caráter menos político, o cartum ocupa também um importante lugar na história do compartilhamento de informação ao cidadão. Caso que exemplifica esse efeito é a parceria iniciada na década de 2000 entre Eletrobras, Procel, os Ministérios da Educação e de Minas e Energia com o ilustrador Ziraldo. À época, foi desenvolvido o material "Procel nas Escolas", uma metodologia que buscava infundir mudanças de hábitos quanto ao uso correto da energia elétrica no comportamento dos alunos, através da metodologia "A natureza da Paisagem - Energia". Esse foi o início de uma longa parceria entre Ziraldo e o setor elétrico, que resultou em diversos materiais de distribuição nas escolas, livros, filmes entre outros educativos ilustrados pelo desenhista.

Hoje, charges, caricaturas e cartuns ocupam espaço junto aos memes de internet em um espaço muito mais abrangente e que permite uma maior multiplicidade de vozes e de conteúdos que, daqui a pouco, serão vistos como a memória de um período que também tem sua própria importância. É nesse sentido que a exposição “Energia e Memória no Traço do Humor”, realizada em 1989 pela Memória da Eletricidade, continua sendo um assunto atual até hoje: para reforçar a memória de um momento importante na história do Brasil e para ilustrar as reivindicações da época. 

           Trechos do acervo audiovisual sobre a exposição "Energia e Memória no Traço do Humor". 



"Caso deseje fornecer mais informações sobre as obras apresentadas neste artigo, por favor, entre em contato por meio do endereço de e-mail acervoepesquisa@memoriadaeletricidade.com.br. É importante destacar que tais imagens foram cedidas à Memória da Eletricidade no âmbito da Exposição 
Energia e Memória no Traço do Humor. Qualquer reprodução ou utilização deste acervo, portanto, deve ser solicitada às instituições e indivíduos responsáveis pela custódia e pelos poderes legais."

Dandara Magalhães

Dandara Magalhães é mestre e doutoranda em Comunicação pelo PPGCOM-UFF e bacharel em Estudos de Mídia pela UFF. Como pesquisadora, esteve a frente de pesquisas que exploram o uso do humor pela comunicação tanto on, quanto off-line, a reprodução de conteúdos humorísticos associados a estratégias políticas e, atualmente, sua pesquisa é voltada para as plataformas de mídias digitais, disputa de narrativa e desinformação.