A histórica relação da UHE Furnas com a navegação da hidrovia Tietê-Paraná

Postado em 23/11/2023
Francisco Arteiro de Oliveira

Diretor de Operação e Manutenção na Eletrobras Furnas

Compartilhar

Em visita recente a Usina de Furnas acompanhado do diretor presidente da Eletrobras Furnas, Caio Pompeu de Souza Brasil Neto, e o diretor de Relações Institucionais e Programas Setoriais da Eletrobras, Bruno Eustáquio de Carvalho, para tratar de diversos assuntos, entre eles os estudos de navegabilidade do Lago de Furnas, me questionei se todos entendiam a importância que essa usina tem para o País em relação à questão do uso múltiplo das águas e sua relação histórica com a navegação da hidrovia Tietê-Paraná. Por isso, resolvi escrever esse artigo dissertando sobre o assunto.

O uso múltiplo das águas é um tema da maior relevância na operação hidroenergética do Sistema Interligado Nacional-SIN. Do ponto de vista da legislação, a prioridade do uso da água é para a dessedentação humana e dos animais. Já os demais usos, por exemplo, produção de energia elétrica, navegação, turismo e lazer são concorrenciais, embora cada um tenha um impacto diferente quando analisamos sob a ótica local e nacional.

Na Região Sudeste, há um exemplo clássico da necessidade da conciliação desses diversos usos: as condições mínimas de navegabilidades da hidrovia Tietê-Paraná, que interliga os reservatórios das usinas de Ilha Solteira e Três irmãos, permitindo o escoamento de bens através do rio Paranaíba, nos estados de Minas e Goiás, e em São Paulo, através dos rios Paraná e Tietê. Entre outros fatores, a navegabilidade dessa hidrovia depende dos estoques armazenados nas cabeceiras dos rios Grande e Paranaíba, sendo que nesse artigo abordaremos a correlação dessa navegação apenas com o nível de armazenamento da UHE Furnas, cujo uso múltiplo de suas águas considera a cota 762,00 m como a mínima.

Antes de entendermos como a cota de Furnas foi definida, precisamos olhar para o período que antecede a construção do canal, quando o reservatório da UHE Ilha Solteira operava até a cota 314,00 m. Com a conclusão da obra desse modal aquaviário, tanto esse reservatório quanto o de Tês Irmãos tiveram sua cota mínima elevada para 323,00 m, o que corresponde à cota mínima de projeto de navegação na hidrovia. Todavia, a não realização de derrocamentos¹ previstos no projeto original, a jusante² da UHE Nova Avanhandava, elevaram a cota mínima de navegação para 325,20 m. Esse valor pode ser reduzido ainda a 324,70 m, dependendo da carga dos comboios e de operações especiais.

Essa diferença de 2,20 m entre a cota mínima inicial e a estabelecida posteriormente trouxe consequências durante os períodos secos do ano, principalmente, quando os períodos úmidos anteriores não foram favoráveis. Como, durante os períodos secos, as vazões incrementais reduzem-se de forma significativa, consequentemente, há uma redução nas vazões naturais dos rios Grande, Paranaíba e Paraná. Além disso, devido à geração de energia elétrica, ocorre uma diminuição dos níveis dos reservatórios das usinas que influenciam diretamente na operacionalidade da hidrovia.

Nesse cenário, fez-se então necessário o uso dos estoques armazenados nas cabeceiras dos dois grandes rios formadores do rio Paraná: o rio Grande, onde encontramos a usina de Furnas na cabeceira, e o rio Paranaíba, que conta com os reservatórios das usinas de Emborcação, Nova Ponte e Itumbiara. Em vários momentos, o desentoque da água armazenada nesses reservatórios foi além do necessário para geração de energia elétrica para atender à carga do País, mas uma parcela significativa foi liberada para garantir o balanço hídrico das usinas, que é essencial para a garantia da navegabilidade da hidrovia Tietê-Paraná.

Nesse ponto, começamos a olhar para o armazenamento dos reservatórios localizados a montante³, notadamente, para o reservatório da UHE Furnas. De forma legítima, o armazenamento desse reservatório influencia diretamente uma série de atividades econômicas essenciais para a economia dos 34 municípios lindeiros, ou seja, aqueles banhados pelas águas de seu reservatório. Atividades essas que envolvem transporte hidroviário, turismo, lazer, pesca e um fluxo de turistas que movimentam não só a economia local, como também de cidades vizinhas, o que torna Furnas um vetor de crescimento econômico para a região.

Então, para atender aos diversos usos e atividades realizadas no entorno da usina, foi estabelecida, como cota de equilíbrio para o reservatório de Furnas, a cota de 762,00 m. Portanto, tínhamos que buscar atender a dois requisitos legítimos, sem que, na época, houvesse um pleno entendimento da mútua dependência entre eles. Além disso, tínhamos que lidar com uma variável sobre a qual não tínhamos controle: as condições climáticas. Esse fator influenciaria, por sua vez, as condições de tempo e as vazões das estações úmidas, que são essenciais para as afluências futuras e os níveis de armazenamento que garantiriam o atendimento dos requisitos.

Foi então que, em uma reunião ocorrida em 2018, no gabinete do senador Rodrigo Pacheco, foi possível o entendimento da correlação entre esses usos múltiplos da água, bem como da importância do derrocamento das rochas para permitir a operação da hidrovia em suas cotas de projeto. A partir daí, essas obras foram inseridas em programas governamentais e são um importante fator para conciliar os usos múltiplos.

Embora ainda não se deva esquecer que há uma variável importante, que é a mudança climática e seu impacto no comportamento das afluências futuras, devemos ter em mente que há um fator mitigador desse risco: o significativo crescimento das fontes Eólica e Solar na matriz energética do País. A expansão dessas outras fontes renováveis reduziu o uso da geração hidrelétrica, fato que permitiu um menor uso dos estoques armazenados nos reservatórios dessas usinas, possibilitando maiores garantias ao atendimento dos usos múltiplos da água.

Concluo certo de que a Eletrobras Furnas tem um compromisso com a sustentabilidade e com a sociedade, principalmente, com a população dos municípios no entorno do Lago de Furnas e continuará trabalhando para garantir o perfeito equilíbrio entre os diversos usos da água que essa importante usina influencia.

¹ O derrocamento consiste na remoção de rocha do leito do rio com o objetivo de adequar a largura e a profundidade do canal de navegação, medida fundamental para garantir a segurança do transporte hidroviário.

² Jusante é o trecho, num curso d'água, entre um observador e quaisquer pontos que estejam abaixo desse trecho considerado, inclusive quando se referir à sua foz.

³ Montante é o lugar que está acima do ponto considerado ou se refere à sua nascente no referido curso d’água. Utiliza-se a expressão a montante. Montante é o mesmo que rio acima.

Fonte do Glossário:

Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Secretaria de Portos e Transportes Hidroviários. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Emite licença prévia para o derrocamento do Pedral do Lourenço na Hidrovia do Tocantins. Disponível em: <https://www.gov.br/casacivil/pt-br/ocultadas/orgaos/seppi/noticias-1/ibama-emite-licenca-previa-para-o-derrocamento-do-pedral-do-lourenco-na-hidrovia-do-tocantins\>. Acesso em: 13 nov. 2023.

CAMPESTRINI, Hildebrando et al. Enciclopédia das Águas de Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS: IHGMS, 2014.

Francisco Arteiro de Oliveira

Diretor de Operação e Manutenção na Eletrobras Furnas