Itaipu Binacional completa 49 anos

Postado em 17/05/2023
Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".

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Em 17 de maio de 1974, a Itaipu Binacional, empresa responsável pela construção e operação da hidrelétrica de Itaipu, foi constituída por inciativa dos governos do Brasil e do Paraguai. Obedecendo a um regime jurídico inédito no mundo, a empresa foi criada com base no Tratado de Itaipu, assinado em abril de 1973, após demorado processo de negociação sobre o aproveitamento do grande potencial energético do rio Paraná, pertencente aos dois países. Inaugurada em 1984, a usina de Itaipu passou a contribuir decisivamente para o abastecimento energético do Brasil e do Paraguai, destacando-se como o maior empreendimento hidrelétrico realizado até então no mundo.

Recentemente, a Itaipu Binacional quitou as últimas parcelas da dívida da construção da usina. Agora, tal como previsto há 50 anos, Brasil e Paraguai iniciarão a negociação para revisão das bases financeiras da empresa e de comercialização de sua energia. Daí o renovado interesse pelo conhecimento da história do empreendimento que estabeleceu uma ligação umbilical entre os dois países.

Numerosos livros e estudos já foram produzidos sobre a história de Itaipu. A bibliografia conta com algumas publicações do Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, notadamente os livros Notas sobre os antecedentes da criação da Itaipu Binacional (1999), escrito pelo engenheiro John Cotrim, em colaboração com Paulo Azevedo Romano, e Energia elétrica e integração na América do Sul (2004), com depoimentos de personalidades brasileiras que participaram diretamente nas negociações e na construção da usina de Itaipu, como o embaixador Mario Gibson Barbosa e os engenheiros Mauro Thibau, Antonio Dias Leite e Mario Bhering. As duas publicações apresentam informações da maior valia sobre as polêmicas e disputas em torno de Itaipu.

Sete Quedas e Itaipu

A história de Itaipu remonta a diversos estudos para o aproveitamento da energia hidráulica dos Saltos de Sete Quedas, um leque de quedas de grande beleza natural que marcavam o início do trecho internacional do rio Paraná. Em 1962, o interesse brasileiro pelo aproveitamento de Sete Quedas despertou forte reação do governo paraguaio contra a hipótese da exploração unilateral dos recursos hídricos do rio Paraná, aventada em anteprojeto do engenheiro Octavio Marcondes Ferraz. Elaborado a pedido do Ministério das Minas e Energia, o anteprojeto previu a instalação de uma usina com capacidade de 10 mil megawatts (MW), mediante o desvio das águas do rio Paraná para o território brasileiro. De imediato, o Paraguai reivindicou seus direitos, reabrindo a discussão sobre o problema da demarcação de fronteiras na área em torno de Sete Quedas.

Os dois países buscaram um entendimento diplomático que culminou com a assinatura da Ata do Iguaçu, em fevereiro de 1966, reconhecendo o regime de condomínio sobre os recursos hídricos do rio Paraná no trecho fronteiriço de 190 km entre Sete Quedas e a foz do rio Iguaçu. Segundo o documento, a energia elétrica eventualmente produzida nesse trecho seria dividida em partes iguais entre os dois países, sendo reconhecido a cada um deles o direito de aquisição da energia não utilizada pelo outro para seu próprio consumo. Com o acordo, o problema de fronteiras entre os dois países perdeu sentido, uma vez que a área de litígio seria provavelmente inundada pelo aproveitamento do potencial de Sete Quedas. No ano seguinte, foi criada a Comissão Mista Técnica Brasileiro-Paraguaia para a implementação da Ata do Iguaçu, na parte relativa ao estudo sobre o aproveitamento do rio Paraná.

O crescimento acelerado da economia brasileira e a ideia de “Brasil grande potência” acalentada pelo regime militar contribuíram decisivamente para o forte interesse pelo aproveitamento da formidável riqueza energética do rio Paraná. O projeto de Itaipu deslancharia efetivamente no período do chamado “milagre” econômico brasileiro (1969-1973) em que o Produto Interno Bruto (PIB) e a demanda de energia registraram taxas de crescimento excepcionais. Itaipu se somou a empreendimentos hidrelétricos de grande porte em curso no país, como Jupiá e Ilha Solteira, que formaram o complexo de Urubupungá no trecho superior do rio Paraná. E de certo modo postergou a realização de aproveitamentos já inventariados nas regiões Sudeste e Sul, dada a preferência forçada a sua energia.

Em 1970, os estudos e entendimentos com o Paraguai ganharam impulso. A Eletrobras e a Administración Nacional de Electricidad (ANDE) firmaram um acordo de cooperação e promoveram concorrência internacional para a realização do estudo de viabilidade e a elaboração do projeto da obra. O consórcio, formado por uma firma norte-americana e outra italiana, concluiu seu trabalho em 1972, recomendando a construção de uma grande barragem no local denominado Itaipu, cerca de 14 km ao norte da cidade de Foz do Iguaçu, como a melhor alternativa econômica para o empreendimento.

Em 26 de abril de 1973, o Tratado de Itaipu foi assinado pelos presidentes Emílio Garrastazu Médici e Alfredo Stroessner, em solenidade realizada em Brasília. O tratado, composto por 25 artigos e 3 anexos com o estatuto da Itaipu Binacional (Anexo A), a descrição geral das instalações destinadas à produção de energia elétrica (Anexo B) e as bases financeiras e de prestação dos serviços de eletricidade (Anexo C), foi aprovado sem demora pelos congressos dos dois países.

Em sessão na Câmara dos Deputados que precedeu a aprovação do tratado, o ministro das Minas e Energia, Antonio Dias Leite, justificou o projeto de Itaipu no contexto da política energética brasileira. Segundo o ministro, Itaipu deveria gerar uma receita em um nível suficiente para cobrir os seus custos, sem gerar lucros financeiros para a entidade binacional, dado o caráter não repetitivo do empreendimento: “Essa empresa tem de vender pelo preço de custo, que foi definido como encargos financeiros de despesas de operação, de um dividendo razoável a cada um dos participantes, além dos royalties aos dois países pelo uso ao bem do recurso natural.” E aduziu: “Ela não vai dar resultado além dos dividendos dos acionistas, que são as duas companhias de eletricidade. Vinte anos de um preço muito bom, e nos vinte anos subsequentes um preço excepcionalmente bom.”

O empreendimento

A Itaipu Binacional foi constituída com capital de cem milhões de dólares, divididos igualmente entre a Eletrobras e a ANDE, em ato realizado em Foz do Iguaçu, com a presença dos presidentes Ernesto Geisel e Alfredo Stroessner. Instalada com sedes em Brasília e Assunção, a empresa estruturou seus órgãos de administração e quadro de pessoal de forma paritária. Com base nesse critério, a diretoria-executiva foi composta por três brasileiros e três paraguaios. Por Notas Reversais de 1986, ficou definido que as áreas técnica e financeira seriam comandadas por brasileiros, e as áreas administrativa, jurídica e de coordenação seriam ocupadas por paraguaios.

Logo depois de sua instalação, a Itaipu Binacional adotou as medidas preliminares para a construção da usina, incluindo a elaboração do projeto de infraestrutura, a desapropriação e aquisição de terras, a instalação de acampamentos provisórios e o levantamento e a avaliação da área do reservatório. No final do ano, os estudos de viabilidade técnica, econômica e financeira do empreendimento foram praticamente encerrados. O projeto básico previu a barragem principal com 120 metros de altura, o canal de desvio do rio Paraná na margem esquerda brasileira, o vertedouro na ombreira direita do lado paraguaio, e a casa de força da usina com 18 unidades geradoras de 700 MW.

As obras civis tiveram início em outubro de 1975 com a abertura de uma linha de crédito da Eletrobras. A questão da frequência da usina, derivada da diferença entre o sistema brasileiro em 60 Hz e o paraguaio em 50 Hz, somente foi equacionada em dezembro de 1977. Interessado em garantir que a usina operasse exclusivamente em 60 Hz, o Brasil mostrou-se disposto a arcar com os custos da completa conversão do sistema paraguaio. Entretanto, o Paraguai, que estudava paralelamente a construção de outras usinas no rio Paraná (Yaciretá e Corpus) com a Argentina, relutou em concordar com a proposta brasileira, inclusive pela oposição interna ao governo Stroessner. Ao cabo de demoradas e delicadas negociações, adotou-se a alternativa de dividir a usina em duas partes de igual potência, sendo uma em 60 Hz e outra em 50 Hz. Essa decisão implicou na construção de um sistema misto de transmissão para escoamento da energia de Itaipu ao mercado brasileiro, construído por Furnas, com três circuitos de corrente alternada para a energia em 60 Hz e dois de corrente contínua para a energia em 50 Hz.

O contencioso com a Argentina foi superado apenas em 1979 com a assinatura do Acordo Tripartite entre os governos brasileiro, paraguaio e argentino. O acordo estabeleceu as condições de operação de Itaipu, da projetada usina argentino-paraguaia de Corpus, no rio Paraná, e dos demais empreendimentos energéticos na bacia comum aos três países, contribuindo para a distensão das relações entre Brasil e Argentina.

Um mecanismo fundamental para viabilização financeira de Itaipu foi a venda compulsória de sua energia no mercado brasileiro, incluindo a considerável quantidade de energia que excederia as necessidades do Paraguai. Em julho de 1973, após a assinatura do Tratado de Itaipu, o presidente Emílio Médici promulgou a Lei nº 5.899, que estabeleceu um mercado cativo no Brasil para a energia da usina binacional, mediante sistema de cotas para concessionárias das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

O engenheiro Mario Bhering admitiu: “Era uma lei dura, ela passou, mas não sei se passaria em um governo democrático.” E acrescentou: “O problema é que não se houvesse uma obrigatoriedade, Itaipu seria inviável: como é que iríamos levantar recursos? De onde viria o dinheiro?” Os recursos captados para a construção da usina, incluindo as rolagens financeiras, totalizaram 27 bilhões de dólares. A Eletrobras respondeu integralmente pelo financiamento da usina.

O canal de desvio do rio Paraná foi aberto em outubro de 1978, permitindo secar o leito original do rio e a construção da barragem principal em concreto, com blocos descomunais de gravidade aliviada. O empreendimento atingiu então o ponto máximo de mobilização de mão de obra, empregando mais de 31 mil trabalhadores. Concluída a barragem, as comportas do canal de desvio foram fechadas em outubro de 1982 para o enchimento do reservatório.

O Lago de Itaipu inundou uma área de 1.350 km2 (770 km2 do lado brasileiro), represando 29 bilhões de m3 de água. A subida das águas do rio Paraná alagou áreas de florestas e terras agrícolas e provocou o desaparecimento dos Saltos de Sete Quedas, talvez o mais notório impacto negativo da construção da usina. No lado brasileiro, o empreendimento atingiu 12 municípios e 4 núcleos urbanos, remanejou 40 mil pessoas e alagou parte da área ocupada pelos índios avá-guarani. Como compensação pela perda de territórios, a Itaipu Binacional paga, anualmente, royalties para municipalidades dos dois países.


A usina foi inaugurada pelos presidentes João Batista Figueiredo e Alfredo Stroessner em outubro de 1984, dispondo de duas unidades geradoras. As demais unidades foram instaladas ao ritmo de duas a três por ano. Em 1991, quando completou a capacidade de 12.600 MW, Itaipu respondeu pelo fornecimento de 23% da energia elétrica consumida no Brasil e o atendimento de 76% do consumo paraguaio.

Em novembro de 2000, os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luis Gonzáles Macchi assinaram contrato para a instalação de duas unidades adicionais. A inauguração oficial das novas máquinas ocorreu em maio de 2007, em solenidade que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega paraguaio Nicanor Duarte Frutos. Itaipu passou a contar com vinte unidades geradoras, atingindo a potência instalada de 14 mil MW.

Em 2022, a hidrelétrica foi responsável por 8,6% do suprimento de eletricidade do Brasil e 86,3% do Paraguai.

Itaipu em revisão

Desde o início da construção da usina de Itaipu, houve na opinião pública paraguaia a percepção de um desequilíbrio de benefícios entre os dois países-sócios do empreendimento. Essa percepção suscitou demandas pela revisão do Tratado de Itaipu, em pontos como a questão da dívida com a Eletrobras e o pagamento pela “cessão de energia”.

Em 2007, o Brasil aceitou retirar o mecanismo que acrescentava aos juros da dívida da empresa binacional o impacto da inflação norte-americana. Esse mecanismo (instituído em 1997) deixou de incidir sobre a dívida paraguaia, mas continuou a ser cobrado no Brasil, adicionado à tarifa de energia. Além disso, o governo brasileiro aceitou que o Paraguai tivesse prioridade no aproveitamento da “energia excedente” de Itaipu, que é proporcionada pela potência adicional das turbinas em função da variação na queda da água. Esta energia tem uma tarifa mais baixa.

Em julho de 2009, os presidentes Lula e Fernando Lugo assinaram o acordo “Construindo uma Nova Etapa na Relação Bilateral”, justificado como forma de dinamizar as relações entre os dois países e “superar gradualmente as assimetrias”. O acordo previa o aumento de 200% da remuneração devida a título de “cessão de energia” do Paraguai ao Brasil, autorizava a construção pela Itaipu Binacional de linha de transmissão no território paraguaio com o objetivo de atender Assunção e reconhecia a possibilidade de comercialização da cota do Paraguai diretamente no mercado brasileiro, não se limitando a negociá-la com a Eletrobras.

O acordo foi aprovado imediatamente pelo Congresso Paraguaio. No Brasil, sofreu fortes críticas, sendo aprovado pelo Congresso Nacional somente em maio de 2011. Na época, foi estimado que a quantia paga pelo Brasil ao Paraguai a título de compensação pela cessão de energia da usina binacional passaria de 120 milhões para 360 milhões de dólares anuais. A linha de transmissão Itaipu-Assunção, projetada e construída pela Itaipu Binacional com recursos do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, foi inaugurada em 2013. A regulamentação da venda de energia diretamente no território brasileiro foi objeto de grupos de trabalho, mas não chegou a termo.

Em abril de 2022, o governo Jair Bolsonaro transferiu a responsabilidade da comercialização da energia de Itaipu destinada ao Brasil para uma nova estatal: a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar), criada no ano anterior em decorrência do processo de privatização da Eletrobras.

A Itaipu Binacional se tornou uma empresa amortizada em fevereiro de 2023, com a quitação das últimas parcelas da dívida contraída para a construção da hidrelétrica. Os últimos pagamentos foram destinados à Eletrobras e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), somando 115 milhões de dólares. A revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu está na ordem do dia, envolvendo temas controversos como a forma de contratação e a precificação da energia da usina.

Referências

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Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".