Os cem anos da Semana de 22 e os 200 da independência

31/08/2021


Além da Semana de 22, que festeja seu centenário no próximo ano, o Brasil vai comemorar o bicentenário da independência. Ambos os eventos aconteceram em São Paulo: o primeiro, em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo; o segundo, às margens do Ipiranga, teve como protagonista Dom Pedro I, em setembro de 1822.

Mais do que festejar, porém, esta talvez seja a ocasião mais propicia para a atual geração construir uma nova visão destas efemérides. O historiador Paulo César Garcez Marins, docente do Museu Paulista da USP, é um dos responsáveis pelas exposições que marcarão a reabertura do Museu do Ipiranga, atualmente em término de reforma.

— Será, sem dúvida, uma oportunidade rara de desmontarmos grandes narrativas que se sedimentaram no modo como olhamos esta história — afirmou Marins na live de quinta-feira, dia 19 de agosto.

Incêndio da estátua de Borba Gato

Um exemplo candente aconteceu no sábado, dia 24 de julho. Um grupo de pessoas colocou pneus em torno da estátua do Borba Gato, no bairro paulistano de Santo Amaro, e iniciou um incêndio. Os bombeiros chegaram logo e “salvaram” a estátua, que é recente, da década de 1960, e tem seu valor artístico contestado. O ato queria chamar a atenção -- replicando movimentos planetários dos últimos anos  em muitos outros países -- para o fato de que  bandeirantes como Borba Gato escravizaram milhares de índios em suas andanças garimpando pedras preciosas. Segundo o antropólogo Darcy Ribeiro (“O povo brasileiro”) Borba Gato é um dos responsáveis por caçar e vender mais de 300 mil índios para os senhores de engenho do Nordeste.

Historiadores já se levantaram para dizer que passou da hora de se ressignificar este tipo de monumento. A onda é forte. E tem a ver com os cortes no Sítio do Pica-pau Amarelo, um dos maiores sucessos de Monteiro Lobato, com vistas a “limpar” seus livros de expressões racistas.

Marins mostrou que é muito complicado — e talvez inútil — cada geração reescrever a história, eleger novos ídolos e “matar” os antigos.

— Em vez disso, é mais positivo espanar as ideologias que determinaram a criação de tais monumentos e conscientizar as gerações atuais dos motivos pelos quais um artista como Henrique Bernadelli pintou, com apenas duas décadas de diferença, dois quadros de sentidos inteiramente opostos sobre os bandeirantes, que possuímos no acervo do Museu Paulista: no primeiro, dos anos 1890, ele retrata os bandeirantes como animais bebendo água num riacho, ao lado de um índio de pé, hierático, imponente — analisa Marins. Vinte anos depois, pintou os bandeirantes de pé, hieráticos, e os índios como animais.

Episódios como este ilustram a complexidade da tarfa do historiador, afirma Marins:

— Não se trata de ressignificar, mas de compreender, com todas as nuances do momento histórico, as razões que determinaram esta ou aquela concepção artística ou ideológica.

Nova temporada

Faremos uma pausa de duas semanas. E no próximo dia 9 de setembro inauguramos a terceira temporada do projeto "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" com uma live com o violonista Yamandu Costa. Vamos reviver, passo a passo, cem anos do violão no Brasil, que passou da condição de instrumento de marginais para a de símbolo musical do país. A terceira temporada encerra a série de lives com o tema "Paixão pelo novo no século XXI".

Sobre a série Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro

A série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" tem por objetivo construir, às vésperas da celebração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, um amplo, diversificado e profundo painel da arte e da cultura brasileira. Com curadoria e apresentação do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, os bate-papos são transmitidos pela página da Memória da Eletricidade no Youtube, sempre às quintas-feiras, às 18h.