A excepcionalidade na arquitetura modernista brasileira

29/07/2021


Quando se fala em excepcionalidade, logo se pensa em originalidade. Se alguém deduz algo apenas a partir do título do livro-chave de Fernando Luiz Lara, arquiteto e professor de teoria da Arquitetura da Universidade do Texas em Austin, envereda justamente pelo oposto ao que ele demonstra nos dez ensaios originalmente escritos em inglês entre 2006 e 2014 e reunidos em “Excepcionalidade do Modernismo Brasileiro” (Romano Guerra Editora, 2018).

Na live de 22 de julho, na segunda temporada da série Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro, Lara, 51 anos, há 12 nos Estados Unidos, elogiou os que chama de “modernistas analfabetos”. Para ele, a excepcionalidade da arquitetura no Brasil não é a originalidade, que os grandes arquitetos modernistas jamais perseguiram.

– Preferiram copiar modelos internacionais, como Le Corbusier e os alemães – explicou. – Mas buscaram uma disseminação rápida, certeira, eficaz e eficiente. Talvez, como em nenhum outro lugar do planeta, certa corrente da arquitetura moderna tornou-se corriqueira, comum, cotidiana. Um feito sem paralelo, só replicado em décadas posteriores no restante do mundo.

Excepcionalidade, velocidade e territorialidade

A excepcionalidade, neste caso, tem relação com velocidade (aqui aconteceu bem antes de outros países) e territorialidade (um fenômeno importante em função do tamanho do território brasileiro):

– Se certas características são claramente visíveis nas obras de algumas individualidades excepcionais, elas não estão ausentes no nível médio da produção arquitetônica. Isso não ocorre na maioria dos outros países.

O detalhe mais importante e fundamental é que esta hipótese propicia uma moldura de reflexão sobre a arquitetura modernista que se afasta inteiramente da questão central das artes nos países não-europeus, no caso das Américas, todos ex-colônias europeias. Lara descarta algo que nos é atávico, a síndrome de inferioridade no contexto Europa/Estados Unidos. E, ao mesmo tempo, também não nos deixa, brasileiros, empinar nossos narizes em relação aos países “Hermanos” da América Latina.

Várias narrativas: completa e virtuosa polifonia

O que nasceu como hipótese transformou-se numa vasta pesquisa em que Lara, já nos anos 1990, conseguiu entrevistar donos de casinhas e sobrados da classe média baixa construídos nos anos 1940 – que comprovaram, em preciosos depoimentos, sua tese inicial. Numa linguagem descontraída e informal, Lara tem a rara capacidade de tornar acessível o universo de reflexão sobre a arquitetura modernista brasileira e também joga flechas verbais incisivas sobre a própria natureza de seu objeto de estudo.

– Ora, desde os anos 1940 a chamada classe média replicou características da arquitetura de Niemeyer na Pampulha, como as formas e curvas, por exemplo, em construções que se espalharam rapidamente pelo país – constata Lara. – Na década seguinte, os operários que trabalharam nos grandes projetos arquitetônicos modernistas replicaram várias de suas características nas favelas. Das 7 horas da manhã às 18 horas, o pedreiro trabalhava num projeto de grife arquitetônica. À noite, construía seu barraco na favela usando truques e soluções vistos e feitos com suas mãos durante o dia.

O corolário (a palavra é feia, mas é esta mesma) disso tudo é que, na arquitetura contemporânea como nas demais artes – e também, é claro, na vida de nós todos e em todos os países, com raras exceções –, as chamadas “grandes narrativas monopolistas” já ruíram há algum tempo. Hoje convivem saudavelmente várias narrativas, como numa completa e virtuosa polifonia, onde todos têm voz e são capazes de ouvir os que os rodeiam. É uma meta quase utópica, tamanha a dificuldade para a alcançarmos. Uma meta que Fernando Luiz Lara vem ajudando a tornar-se mais próxima de nós por meio de um trabalho importantíssimo já concretizado em quatro volumes da coleção ”Pensamento da América Latina”, da Romano Guerra Editora.

Próximo episódio

Na próxima quinta-feira, a crítica e historiadora de arte Daisy Peccinini nos convida a uma viagem pelo mundo extraordinário do escultor Victor Brecheret, figura-chave do Brasil modernista da primeira metade do século XX.

Sobre a série Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro

A série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" tem por objetivo construir, às vésperas da celebração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, um amplo, diversificado e profundo painel da arte e da cultura brasileira. Com curadoria e apresentação do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, os bate-papos são transmitidos pela página da Memória da Eletricidade no Youtube, sempre às quintas-feiras, às 18h.

Confira a programação da segunda temporada

Reinvenções modernistas no século XX

29/07
"A escultura modernista: Victor Brecheret"
Com Daisy Piccinini, historiadora e critica de arte

05/08
"Concretismo, Oswald e a música"
Com Cid Campos, músico, compositor e produtor musica

12/08
"Tropicália, Mutantes & o Modernismo"
Com Carlos Calado, jornalista, autor de “Tropicália —A história de uma revolução musical” e “A divina comédia dos Mutantes” (Editora 34)

19/08
"A arquitetura da segunda metade do século 20"
Com Paulo César Garcez Marin, historiador e curador do Museu Paulista

Foto do thumb: Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York, 1939, arquitetos Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Acervo da New York Public Library. Foto: Divulgação.