O teatro, outro grande esquecido
A caminho dos 75 anos, que completará em setembro próximo, o ator e dramaturgo Oswaldo Mendes fala com autoridade sobre o teatro, paixão que durante duas décadas manteve paralelamente ao jornalismo. Aos 41 anos, decidiu-se de vez pelo palco. Assinou a direção de espetáculos de Elis Regina (“Essa Mulher”), escreveu muitas peças – entre elas, “Tiro no Escuro”, sobre o gesto final de Getúlio Vargas, dos anos 1970, e a mais recente, “Vicente e Antonio”, dramatizando a amizade entre Florestan Fernandes e Antonio Cândido a partir da correspondência entre ambos. Num e noutro caso, o cuidado com a pesquisa histórica, o pleno domínio do artesanato dramatúrgico e uma sensibilidade extraordinária em relação à nossa realidade.
A live de 1º. de julho, na segunda temporada da série “ "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro", começou com um fato insólito e do qual poucos se dão conta:
– Não se pode pensar a literatura inglesa sem Shakespeare ou a literatura espanhola sem Lope de Vega, mas histórias da literatura brasileira invariavelmente ignoram o teatro. Mesmo livros como o decantado e excepcional, claro "Formação da Literatura Brasileira", de Antonio Cândido – lembra Oswaldo Mendes.
'Nossos vanguardistas estavam de olho em Paris'
Assim, após traçar um panorama do teatro brasileiro desde o século XIX, pelas mãos dos Azevedo (Artur, dramaturgo, e Aluísio, escritor), Mendes mostra o motivo que fez o teatro ficar de fora da Semana:
– Existia, claro, o teatro popular quando aconteceu a Semana em 1922. Mas nossos vanguardistas estavam de olho em Paris.
O teatro só entrou no radar principal da opinião pública brasileira a partir do final da Segunda Guerra Mundial, quando para cá emigraram grandes figuras, como Adolfo Celi e Gianni Ratto, apontou Mendes, sem esquecer que o genial polonês Zimbinsky já estava por aqui desde 1941.
– Não deixa de ser curioso que tenha sido justamente o esquecido teatro das histórias oficiais o grande responsável pelo resgate e reposição dos dois Andrades da Semana, Mário e Oswald, na segunda metade do século XX – aponta Mendes. – José Celso Martinez Correa com "O Rei da Vela", de Oswald, e Antunes Filho reinventando “Macunaíma” numa peça teatral.
Leitura dramática de 'Vicente e Antônio'
Uma conversa que com certeza altera expressivamente o modo como costumamos olhar para as artes no país. Termino esta provocação para vocês assistirem a esta live citando duas falas da peça “Vicente e Antonio”, que vocês podem também assistir e se emocionar, em leitura dramática.
Dela pinço duas falas simbólicas em relação à poderosa imagem da Semana de 22 em nosso inconsciente coletivo:
“O tempo daria razão à imagem que eu fazia de você: por sua individualidade intelectual e inconfundível Você estaria para a nossa geração como Mário de Andrade para a geração dele.” [de Florestan para Cândido]
“22 foi um momento de mudança do que era a compreensão do Brasil. Pela primeira vez outras etnias começaram a dar palpites” (...) Em vez de Europa, Mário se embriagou de Brasil.” [Antonio Cândido a Florestan]
Próximo episódio
Vamos conversar com o pesquisador Fred Coelho, professor de literatura da PUC-Rio e autor de um livrinho precioso, “A Semana Sem Fim”, que fatia, quase década a década, os “aggiornamenti”/”atualizações” que cada nova geração fez da Semana e do seu significado até a próxima efeméride, a do centenário, em fevereiro de 2022. Um livro preciso, em linguagem clara e estimulante, que traça um paralelo entre o que a Semana representou em 1922 e em diferentes momentos ao longo de nove décadas.
Sobre a série Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro
A série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" tem por objetivo construir, às vésperas da celebração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, um amplo, diversificado e profundo painel da arte e da cultura brasileira. Com curadoria e apresentação do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, os bate-papos são transmitidos pela página da Memória da Eletricidade no Youtube, sempre às quintas-feiras, às 18h.
Confira a programação da segunda temporada
Reinvenções modernistas no século XX
08/07
"A Semana sem fim"
Com Frederico Coelho, pesquisador e professor de literatura da PUC-Rio
15/07
"O impacto da Semana de 22 nas artes plásticas durante o século XX"
Com Tadeu Chiarelli, crítico de arte e professor de Artes Visuais - USP
22/07
"A arquitetura modernista"
Com Fernando Luiz Lara, arquiteto e professor titular da Universidade do Texas (EUA)
29/07
"A escultura modernista: Victor Brecheret"
Com Daisy Piccinini, historiadora e critica de arte
05/08
"Concretismo, Oswald e a música"
Com Cid Campos, músico, compositor e produtor musica
12/08
"Tropicália, Mutantes & o Modernismo"
Com Carlos Calado, jornalista, autor de “Tropicália —A história de uma revolução musical” e “A divina comédia dos Mutantes” (Editora 34)
19/08
"A arquitetura da segunda metade do século 20"
Com Paulo César Garcez Marin, historiador e curador do Museu Paulista
Foto do thumb: Zé Celso Martinez Corrêa em "O Rei da Vela" (foto: Divulgação/Jennifer Glass)