Poesia e literatura no Pós-Semana de 22

30/06/2021

 

“A maior contribuição da América Latina para a cultura ocidental vem da destruição sistemática dos conceitos de unidade e de pureza.” Assim, inscrevemos nosso lugar “no mapa da civilização ocidental”. E este lugar é o da “falsa obediência”. Não podemos ser passivos, por risco de “desaparecimento por analogia”. Assinalar a diferença é “marcar nossa presença, uma presença muitas vezes de vanguarda”. 

Não, o escritor e crítico literário Silviano Santiago, 85 anos, não fez estas afirmações na live do dia 24 de junho, parte da série "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" e disponível no canal do Youtube da Memória da Eletricidade. Estas frases contundentes foram escritas por ele nos anos 1970, num artigo hoje célebre, intitulado “O entre-lugar do discurso latino-americano”. Fui eu que trouxe este conceito, que Santiago chama modestamente de “ferramenta de análise”, para a conversa. Porque ele nos ajuda – e muito – a melhor compreendermos o período pós-1945 na literatura e na poesia brasileiras.

O entre-lugar também pode ser entendido como “falsa obediência”. Assim, o concretismo levou ao limite a poesia, declarando a morte definitiva do verso, e concentrando-se em palavras, ou melhor, fonemas, trazendo para o universo poético toda uma imagética revolucionária.

– Não por acaso – disse o professor Santiago – os concretistas, decretada a morte do verso, acabaram se voltando muito mais para a tradução.

Com o esgotamento do concretismo, surge a geração marginal

E para a música popular personificada por Caetano Veloso e os tropicalistas, acrescentei. Em seu artigo dos anos 70 sobre o entre-lugar, Santiago o utiliza para analisar a atitude dos indígenas, calcado no antropólogo Lévi-Strauss e seu essencial livro “Tristes Trópicos”. Como funcionaria esta ferramenta na análise da poesia brasileira do pós-Segunda Guerra Mundial?

– Neste momento em que o concretismo se esgota, surge a geração marginal dos anos 1970, com Cacaso e outros, que romperam os mecanismos da indústria cultural. A geração mimeógrafo fazia cópias e as comercializava diretamente – respondeu Silviano Santiago.

Como o genial Plínio Marcos, acrescentei, que vendia seus livros nas ruas como um iluminado camelô. Numa conversa extremamente rica, Santiago permanece fiel a vereditos formulados em vários de seus muitos livros publicados nos últimos 60 anos: “Não se pode continuar soprando as velas de um bolo – ontem com 50, hoje com 60 – e acreditar que se está comemorando o batismo de um bebê." E ainda: “o modernismo, a partir de 1945, era um fogo que não mais ardia como Mário queria, mas apenas ‘esquentava panela’ (...) O fogo da invenção. ao mesmo tempo em que eleva a temperatura da obra jovem, conforma-a a um maneirismo, pouco convincente nos piores casos e extremamente zeloso nos melhores produtos”.

Movimento que nasceu iconoclasta assume contornos inovadores

Ou seja, falando claramente: o movimento que nasceu revolucionário, iconoclasta, em 1922, assumiu inesperados contornos conservadores, funcionando como disfarçada camisa-de-força a tutelar as artes no país. Sobretudo a música clássica, reduzida a um nacionalismo esquemático e xenófobo – herança que Mário de Andrade jamais imaginou.

Entre as frases-faróis, que dão o que pensar, Santiago mantém a postura de afirmar:

– O retorno de Oswald nos anos 60 marca um momento maior de lucidez na discussão dos problemas deste segundo ciclo modernista.

Próximo episódio

Pois é justamente sobre este retorno do mais polêmico e performático modernista de primeira hora via o teatro revolucionário de José Celso Martinez Correa e Antunes Filho, que vamos conversar na próxima quinta-feira, dia 1º de julho, com o ator e dramaturgo Oswaldo Mendes. Sua peça mais recente intitula-se “Vicente e Antonio”, e focaliza a amizade de Florestan Fernandes com Antonio Cândido.

Sobre a série Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro

A série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro" tem por objetivo construir, às vésperas da celebração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, um amplo, diversificado e profundo painel da arte e da cultura brasileira. Com curadoria e apresentação do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, os bate-papos são transmitidos pela página da Memória da Eletricidade no Youtube, sempre às quintas-feiras, às 18h.

Confira a programação da segunda temporada

Reinvenções modernistas no século XX

01/07
"Deglutindo o modernismo: o teatro de Zé Celso e Antunes Filho"
Com Oswaldo Mendes, ator e dramaturgo

08/07
"A Semana sem fim"
Com Frederico Coelho, pesquisador e professor de literatura da PUC-Rio

15/07
"O impacto da Semana de 22 nas artes plásticas durante o século XX"
Com Tadeu Chiarelli, crítico de arte e professor de Artes Visuais - USP

22/07
"A arquitetura modernista"
Com Fernando Luiz Lara, arquiteto e professor titular da Universidade do Texas (EUA)

29/07
"A escultura modernista: Victor Brecheret"
Com Daisy Piccinini, historiadora e critica de arte

05/08
"Concretismo, Oswald e a música"
Com Cid Campos, músico, compositor e produtor musica

12/08
"Tropicália, Mutantes & o Modernismo"
Com Carlos Calado, jornalista, autor de “Tropicália —A história de uma revolução musical” e “A divina comédia dos Mutantes” (Editora 34)

19/08
"A arquitetura da segunda metade do século 20"
Com Paulo César Garcez Marin, historiador e curador do Museu Paulista