Os surpreendentes laços da Semana de 22 com a América Latina

26/05/2021


Viviana Gelado é argentina de Mendoza. Fez seu doutorado na Unicamp, em Campinas, e hoje é professora de Literatura Latino-Americana na UFF – Universidade Federal Fluminense. Na live da série "Semana de Arte de 1922: Passado, presente e futuro", transmitida na última quinta-feira, 20 de maio, pelo canal do Youtube da Memória da Eletricidade, a pesquisadora relembrou bastante sua tese, porque ela versa justamente sobre as vanguardas latino-americanas nas décadas de 1920 e 30.

E foi esclarecedor. Porque desconstruiu vários dogmas que circulam muito pelos meandros da literatura e da cultura brasileiras a respeito da originalidade do modernismo brasileiro a partir da Semana de Arte Moderna de 1922.

Viviana propôs um recuo até a década de 1910 para demonstrar que a maioria das vanguardas latino-americanas começou a tomar forma a partir de movimentos literários e artísticos que pipocaram em todo o continente — principalmente no México durante e no pós-Revolução que teve como atores principais primeiro o presidente Madero, que propôs, mas não cumpriu, a promessa de reforma agrária e acendeu o estopim da revolução comandada por Zapata e Pancho Villa (ambos assassinados, o primeiro em 1919, o segundo quatro anos depois).

Embaixadores como agentes vanguardistas

A partir de 1920, quando assumiu o cargo de secretário da Educação, Vasconcelos Calderón propôs a utilização dos murais para contar a história do país, promovendo um nacionalismo afim ao dos modernistas brasileiros a partir dos anos 1930. Vasconcelos convidou então três dos mais talentosos artistas plásticos mexicanos: Diego Rivera, David Siqueiros José Orozco. Diplomatas mexicanos polinizaram os princípios de uma revolução cultural para toda a América Latina. E aí encontraram terreno fértil onde já germinavam movimentos e revistas literárias e culturais em Havana, Buenos Aires e São Paulo (“Ariel”).

Mário de Andrade, em geral visto como um intelectual extremamente original e solitário em relação ao continente, manteve correspondência com intelectuais argentinos e uruguaios; e nos anos 1940, Antonio Cândido terçou lanças numa polêmica com o uruguaio Angél Rama. Embaixadores de vários países também eram agentes vanguardistas na área cultural.

Um novo e mais abrangente modo de se pesquisar e compreender os movimentos literários, de artes visuais e culturais em que o Brasil está mais junto dos ”hermanos” do que geralmente supomos. Uma compreensão que se espalha de modo diversificado.

Viviana Gelado relatou que os professores argentinos em universidades brasileiras, principalmente nas ciências humanas, chegam a mais de 150. Eles já se juntaram numa rede digital para troca de ideias e pesquisas. Aos poucos, este país que já é sozinho continental começa a entender de modo mais profundo que não está apenas geograficamente postado na América Latina. Comunga com os demais o dilema essencial de todas as culturas não-europeias durante o século XX, em busca de estruturas, conceitos e instituições de características próprias. Uma lição que Mário de Andrade, mas também Villa-Lobos, o escritor e musicólogo cubano Alejo Carpentier, os mexicanos Juan Rulfo (escritor) e Silvestre Revueltas (compositor) e outros criadores latino-americanos aprenderam a duras penas. Um legado ainda hoje fundamental para melhor exercermos nossa cidadania, cívica mas também artística e cultural.

Próximo episódio

Na quinta-feira, dia 27 de maio, Francisco Alambert, professor no Departamento de História da USP e especialista em artes plásticas, conversará sobre Anita Malfatti e Tarsila na Semana e no pós-22. Depois desta live, a série para por duas semanas e retorna na quinta-feira, dia 17 de junho.