Cemig, passado & presente

22/05/2021

Fundada pelo governador Juscelino Kubitschek em 1952, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) está completando 69 anos de atividades. Originalmente denominada Centrais Elétricas de Minas Gerais, a Cemig surgiu sob o signo da política desenvolvimentista dos anos 1950, destacando-se como uma das primeiras e mais bem-sucedidas empresas públicas do setor elétrico brasileiro. 

Antes da Cemig, os serviços de eletricidade em Minas estavam a cargo de companhias privadas e algumas municipalidades. A falta de energia elétrica e a desconcentração da atividade econômica impunham a muitas empresas industriais e de mineração a instalação de seu próprio sistema energético. Em 1946, o estado contava com apenas 178 megawatts (MW) de capacidade instalada de energia elétrica e poucas concessionárias possuíam sistemas de geração e distribuição abrangendo mais de um município.

A grande dispersão da produção de energia, aliada às precárias condições de funcionamento da maioria das usinas, representava um obstáculo ao desenvolvimento de Minas Gerais. Diante desse quadro, o governo estadual adotou iniciativas pioneiras como a construção da usina de Gafanhoto para abastecimento da cidade industrial de Contagem.  

A criação da Cemig refletiu a preocupação básica com o desenvolvimento industrial de Minas. De fato, a companhia garantiu a energia necessária para a industrialização e a transformação da economia mineira, contribuindo decisivamente para o crescimento da capacidade geradora do país e o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro.    

Primeiras realizações

Eleito governador de Minas em 1950, Juscelino Kubitschek propôs ambicioso programa de investimentos em dois setores que identificava como pontos de estrangulamento da economia mineira. A proposta foi sintetizada no slogan “Binômio Energia e Transporte”. Em agosto de 1951, em mensagem à Assembleia Legislativa, Kubitschek apresentou o projeto de criação da Cemig, manifestando o “propósito de aumentar, por todos os meios ao nosso alcance, a produção de energia elétrica, a fim de que, superada essa penosa contingência, Minas disponha da potência necessária a alimentar as indústrias novas, a movimentar os transportes, a proporcionar às populações várias comodidades domésticas que são outros tantos requisitos do conforto”. O projeto foi convertido na Lei nº 821, sancionada em dezembro do mesmo ano. 

A fundação da empresa ocorreu em 22 de maio de 1952 em cerimônia com a presença de Kubistchek no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. A primeira diretoria da Cemig foi composta pelos engenheiros Lucas Lopes (presidente), Pedro Laborne Tavares (vice-presidente), John Reginald Cotrim, Mario Penna Bhering e Mauro Thibau

Mais à frente, dirigentes da fase pioneira da companhia desempenharam cargos importantes na administração pública federal e no setor elétrico brasileiro. Lucas Lopes foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e ministro da Fazenda no período presidencial de Kubitschek (1956-1961). John Cotrim foi presidente de Furnas, empresa federal criada em 1957. Mauro Thibau foi ministro das Minas e Energia entre 1964 e 1967. Mario Bhering exerceu, por duas vezes, o cargo de presidente da Eletrobras, empresa holding federal constituída em 1962. O engenheiro João Camilo Penna, assistente da primeira diretoria e depois presidente da empresa, foi ministro da Indústria e Comércio entre 1979 e 1984. 

O programa de geração inicial da Cemig compreendeu a construção de seis hidrelétricas com capacidade total de 250 megawatts e os respectivos sistemas transmissão. Apoiado pelo Banco Mundial e pelo BNDE, o programa foi integralmente cumprido com a entrada em operação das usinas de Itutinga e Camargos no rio Grande, Salto Grande no rio Santo Antônio, Piau no rio homônimo, Tronqueiras, no rio de mesmo nome, e Cajuru no rio Pará. 

A primeira grande obra da companhia foi certamente a usina de Três Marias, no rio São Francisco, custeada com recursos da Comissão do Vale do São Francisco e financiamento do BNDE. A barragem de Três Marias ficou pronta em 1961, sendo a quarta estrutura de terra do mundo na época. As primeiras unidades da usina entraram em operação em 1962, ampliando em 129 MW a potência instalada da Cemig. Além da regularização do rio São Francisco, beneficiando a região Nordeste, Três Marias criou condições para um ponderável aumento do parque metalúrgico mineiro.

Expansão  

Na década de 1960, a Cemig ampliou o escopo de atividades, passando a operar de forma integrada nos segmentos de geração, transmissão e distribuição. A expansão do parque gerador tirou partido do potencial hidráulico privilegiado das bacias do rio Grande e Paranaíba em Minas. A par dos investimentos em geração, a companhia assumiu os serviços de distribuição em numerosos municípios, inclusive a capital, alcançando 96% do território mineiro. Restaram de fora apenas áreas de concessão da Cataguazes Leopoldina (atual Energisa Minas Gerais), Departamento Municipal de Energia Elétrica de Poços de Caldas (DME), Empresa Elétrica Bragantina e Companhia Luz e Força de Mococa (incorporada ao Grupo CPFL Energia).

A capacidade de geração deu um grande salto, superando a marca de 4.400 MW em 1983. O crescimento foi assegurado principalmente pela ampliação de Três Marias e a construção das usinas de Jaguara e Volta Grande, no rio Grande, São Simão e Emborcação, no rio Paranaíba. São Simão com potência instalada de 1.710 MW destacou-se como o maior empreendimento de geração da companhia. No segmento de transmissão, merece destaque a implantação das linhas de 500 quilovolts (kV) para o escoamento da energia das hidrelétricas do rio Paranaíba, integrantes do sistema interligado Sul-Sudeste. 

Em 1983, a Cemig criou seu Departamento de Meio Ambiente e a Estação Ambiental de Peti, situada às margens do reservatório da pequena usina de mesmo nome, aproximadamente a 100 km de Belo Horizonte. Considerada uma das mais importantes reservas ecológicas do país, a estação tornou-se um importante centro de pesquisa e formação mão-de-obra qualificada para a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental (Eia-Rima) de usinas hidrelétricas.  

Após a mudança de denominação para Companhia Energética de Minas Gerais em 1984, a Cemig organizou uma empresa subsidiária para produção, transporte e distribuição de gás combustível, seus subprodutos e derivados, constituindo a Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig).

Novo modelo setorial

O crescimento do parque gerador prosseguiu na década de 1990 com a entrada em operação das hidrelétricas de Nova Ponte e Miranda, no rio Araguari, e Igarapava, no rio Grande. Nova Ponte foi primeira usina em Minas licenciada de acordo com a legislação ambiental para os empreendimentos de energia elétrica estabelecida em 1987 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Igarapava destacou-se como primeiro empreendimento realizado em consórcio com empresas privadas.

Nos anos 1990, as regras de funcionamento do setor sofreram profundas modificações em conformidade com a política mais ampla de redução da presença empresarial do Estado e de estímulo à competição em atividades monopolizadas ou quase inteiramente dominadas por empresas públicas. 

As implicações do novo modelo setorial foram bastante significativas para Minas e todo o país. A Cemig firmou diversas parcerias com empresas privadas, notadamente grandes consumidores de energia, para atender a necessidade de expansão da geração de seu sistema. Em 1997, o governo mineiro vendeu um terço das ações ordinárias da companhia para o consórcio formado pelas empresas norte-americanas Southern Electric e AES e pelo grupo brasileiro Opportunity. 

Cemig no século XXI

Em 2004, Cemig foi reestruturada com a criação das subsidiárias integrais Cemig Distribuição e Cemig Geração e Transmissão, em decorrência de novas alterações na legislação setorial. O grupo Cemig contava, na época, com 47 hidrelétricas, quatro termelétricas e a usina eólica de Morro do Camelinho que somavam 5.949 MW de capacidade instalada, ocupando a sétima posição entre os geradores do país.  

 A companhia aumentou progressivamente sua presença nos diversos segmentos do mercado brasileiro de energia elétrica, investindo na aquisição de empresas e participando de grandes empreendimentos fora de Minas, como as hidrelétricas de Santo Antonio, no rio Madeira, em Rondônia, e Belo Monte, no rio Xingu, estado do Pará. 

No segmento da distribuição, a Cemig também ultrapassou as fronteiras de Minas, integrando em 2006 o consórcio Rio Minas Energia (RME) que adquiriu o controle da Light Serviços de Eletricidade, atuante no Rio de Janeiro e em mais 31 municípios fluminenses. Em 2010, a companhia tornou-se a maior acionista da Light ao adquirir as participações de seus sócios na RME. Por outro lado, a Andrade Gutierrez passou a compartilhar o controle da Cemig com o governo estadual ao adquirir a participação que a empresa norte-americana AES detinha na estatal mineira. Em 2011, a Cemig possuía participações em 114 sociedades, 15 consórcios e um fundo de participação, com ativos e negócios em 22 estados brasileiros e no Distrito Federal, além do Chile.

Em 2016, os contratos de concessão de distribuição de energia elétrica da Cemig em Minas Gerais foram prorrogados por 30 anos. No ano seguinte, apesar de todos os esforços envidados pela companhia, as concessões das usinas de São Simão, Jaguara, Miranda e Volta Grande foram a leilão, tendo sido arrematadas por outras empresas do setor elétrico. Em 2018, a Andrade Gutierrez vendeu a totalidade de sua participação na concessionária mineira.

Movimento de retorno às origens

 Ao final de 2020, a Cemig contava com 89 usinas, sendo 82 hidrelétricas, uma planta fotovoltaica e seis complexos eólicos. A capacidade instalada totalizava 6.086 MW, considerando as usinas de propriedade integral e as parcelas em empresas coligadas. Na área de transmissão, a Cemig, por intermédio de suas controladas e coligadas, operava uma rede de mais de 10 mil km de extensão.

Recentemente, a Cemig iniciou um movimento de retorno às origens, concentrando investimentos em Minas. A saída da Light em janeiro de 2021 foi um passo importante na estratégia da estatal de privilegiar as atividades de distribuição, transmissão e geração de energia no estado, além da comercialização centrada no atendimento ao varejo

A privatização da Cemig está em pauta desde o início da gestão do governador mineiro Romeu Zema em 2019. Tal como no modelo proposto pelo governo federal para a desestatização da Eletrobras, a Cemig se tornaria uma corporação sem controlador definido. De acordo com a constituição de Minas Gerais, a desestatização ou venda ações de empresas públicas e de sociedades de economia mista depende de projeto de lei aprovado por no mínimo 3/5 dos deputados estaduais, posteriormente submetido a referendo popular.

Referências

BOUÇAS, Cibelle. Controlador da Cemig quer a privatização. Valor Econômico, 29 abr 2021.

CEMIG. Cemig, 35 anos. Belo Horizonte, 1987.

CEMIG. Relatório anual de sustentabilidade. Belo Horizonte, 2016-2020 

CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Panorama do setor de energia elétrica no Brasil=Panorama of electric power sector in Brazil. 2ª. ed. Rio de Janeiro, 2006.

_____. Usinas da Cemig: 1952-2005. Rio de Janeiro, 2006. 

____. O meio ambiente e o setor de energia elétrica brasileiro. Rio de Janeiro, 2009. 

DIAS, Renato Feliciano (Coord.) Ciclo de palestras: a Eletrobras e a história do setor de energia elétrica no Brasil. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1995.

DINIZ, Clélio Campolina. Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira. Belo Horizonte: Imprensa da UFMG, 1981. (Série Dissertações e Teses, 3).

IBGE. Anuário estatístico do Brasil Ano IX, 1948. Rio de Janeiro, 1949, p. 157.

MONTENEGRO, Sueli. Cemig inicia volta aos negócios tradicionais. Canal Energia, 04 fev. 2021.