Memória da Eletricidade produz série de lives sobre a Semana de 1922

16/03/2021

Artistas da Semana de 22


A partir desta quinta-feira, dia 18 de março, a Memória da Eletricidade leva ao público a série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro". Com curadoria e apresentação do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, a série contará com 30 episódios, divididos em três temporadas de dez lives. Em cada programa, Coelho receberá um especialista ou artista para debater temas relativos ao evento fundador do modernismo no Brasil. "A música popular, grande ausente da semana de 22" é o episódio de abertura: João Marcos Coelho conversa amanhã, a partir das 18h, com Lívio Tragtenberg, compositor e autor do livro "O que se ouviu e o que não se ouviu na Semana de 22". Os bate-papos serão transmitidos pela página da Memória da Eletricidade no Youtube, sempre às quintas-feiras, às 18h.

Conheça as temporadas da nova série:
"Tudo o que você gostaria de saber sobre a Semana de 22" é a primeira temporada, com encontros acontecendo entre 18 de março e 27 de maio. Nesta primeira série, João Marcos Coelho conversa com especialistas que dedicaram suas vidas à análise e estudo de tudo que aconteceu entre 17 e 21 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo.

"Reinvenções modernistas no século XX" vai tratar, entre 17 de junho e 19 de agosto, da segunda explosão do modernismo no Brasil, ocorrida entre as décadas de 1950 e 1980 e seus desdobramentos na música, na literatura, nas artes plásticas e em outras manifestações culturais.

"Paixão pelo novo no século XXI" fecha a programação, com dez lives, entre 9 de setembro e 11 de novembro. Nesta terceira e última temporada, João Marcos Coelho conversa com artistas e criadores sobre a produção cultural hoje à luz das mudanças trazidas pela Semana de 22.

O jornalista e crítico musical João Marcos Coelho, curador da série de lives "Semana de Arte Moderna de 1922: Passado, Presente e Futuro"


Entrevista com João Marcos Coelho

Nesta entrevista, o curador e apresentador explica como surgiu a ideia de produzir a série e fala da importância da Semana para a cultura brasileira.

P: Como surgiu a ideia de fazer uma série de lives sobre a Semana de 22? Qual o objetivo da iniciativa?

R: A ideia nasceu numa troca de ideias meses atrás com Augusto Rodrigues, responsável por uma das mais marcantes iniciativas culturais das duas primeiras décadas deste século, o Café Filosófico CPFL e uma série (a única) de concertos de música contemporânea semanais por 17 anos. E que, há três anos presidindo a Memória da Eletricidade, vem transformando a instituição numa usina que também registra, como um sismógrafo, a arte e a cultura brasileiras das últimas décadas. Afinal, no mundo atual, dominado pelo universo digital em que vivemos, nossa atenção é fragmentada, trabalhamos e nos divertimos em camadas de interesse e significado – não cumulativas, mas simultaneamente empilhadas. No mundo contemporâneo, vale o hoje, parece que não temos passado. Nada a ver com a velha conversa de que o Brasil é um país desmemoriado, que não cuida do seu passado. O caso da Semana de 22 é emblemático, neste sentido. Citam-se duas frases do Oswald aqui, alguns elogios ao Mário de Andrade, fala-se de “Macunaíma”, do escândalo da crítica que Monteiro Lobato escreveu sobre a exposição de Anita Malfatti. Mas perdemos o sentido global do que aconteceu naquele momento, cem anos atrás – e de como aquelas granadas, que começaram a ser jogadas em fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, mas se espraiaram sobre projetos inteiros enfocando a arte e a cultura brasileira. Cartilhas que se transformaram em realidades e o chão onde todo criador brasileiro – poeta, músico, escritor, pintor, escultor, arquiteto, pesquisador, intelectual – tem de palmilhar para construir o novo a partir de um conhecimento sólido do nosso chão cultural, que é a Semana. Assim, uma efeméride torna-se mote para melhor conhecermos nosso passado artístico e cultural. Mas não só o passado, também o presente. E na parte final garimpar relances do que o futuro das artes e cultura brasileiras já estão gestando.

P: Quais os temas de cada uma das três séries e quantos episódios por série? Quais os critérios para escolher os convidados?

R: A primeira série intitula-se justamente “Tudo que você precisa saber sobre a Semana de 22”. Em dez lives, conheceremos melhor as figuras-chaves daquele evento tão simbólico para nós, brasileiros. E por especialistas como Flávia Toni, do IEB-USP, que vem dedicando sua vida de pesquisadora à obra de Mário de Andrade. Ou Maria Augusta Fonseca, professora de teoria literária na USP, que escreveu a mais completa biografia de Oswald de Andrade e vem cuidando das edições críticas de sua obra. E também do historiador da USP-Mackenzie Carlos Guilherme Mota, autor de um livro seminal, “Ideologia da Cultura Brasileira”, e que agora vem de debruçando sobre a vida e a obra de Sérgio Milliet, um grande esquecido da Semana, crítico literário, de artes plásticas, cujo trabalho foi essencial na vida de Mário de Andrade, por exemplo. A segunda série de dez lives vai passar em revista as reinvenções pelas quais passaram conceitos e mesmo palavras-de-ordem da Semana de 22 nas décadas seguintes do século 20 – do concretismo que começou na poesia e terminou nas letras das canções de Caetano Veloso. E a terceira série é a mais ambiciosa, porque tenta garimpar o que rola em 2021 e o que vai rolar, nas artes e na cultura brasileiras nesta década. Uma missão a cargo dos que estão fazendo o novo neste momento.

P: A Semana de 22 não teve exatamente um programa estético definido, mas a ideia comum de rompimento com o academicismo na arte. Isso abriu possibilidades liberou a produção cultural nacional de algumas amarras. Você concorda que os desdobramentos da Semana de 22 ajudaram a moldar, ao longo do século XX, uma percepção de identidade nacional para além da arte?

R: A questão da identidade nacional foi a pedra de toque, o desafio enfrentado pelos modernistas, Mário de Andrade à frente. Quando Getúlio Vargas instaurou o Estado Novo em 1937, abortou o projeto mais ambicioso de Mário, que já estava muito bem delineado. Esta é uma questão que vai perpassar as lives da série, do começo ao fim. Claro que hoje os pressupostos e a realidade são absolutamente diferentes. Mas a chama de enfrentar desafios deste tipo é o que nos faz viver com garra – nós, profissionais de jornalismo, professores das universidades, e os artistas, os criadores.

P: É consenso que há uma relação direta entre conceitos e ideias desenvolvidos a partir da Semana de 22 e a música popular brasileira, particularmente a tropicália. Essa relação ainda se dá na música popular contemporânea, com fenômenos como funk, sertanejo e outros? Por último: houve conexão semelhante também entre a Semana e a música clássica produzida no Brasil?

R: São dois níveis absolutamente diversos de música. De um lado, a tropicália e os novos baianos, assim como nomes atuais, como Zeca Baleiro, Adriana Calcanhoto, Chico César, trafegam no canal criativo, em que o sucesso decorre também da qualidade artística do que fazem. Já fenômenos como o breganejo e a sofrência são claramente música comercial, feita para durar 15 minutos e depois cair na vala comum dos objetos descartáveis, mais conhecidos como lixo. Quanto ao funk, hip-hop e rap, não os conheço suficientemente para emitir um juízo.