Ressignificar e agir: a trajetória do primeiro grupo de afinidade racial do setor elétrico

Objetivo do G.A.R.R.A. é promover um ambiente mais acolhedor no ONS e apoiar políticas de contratação, permanência e desenvolvimento de pessoas negras
02/12/2025

Carlos Torres é líder do Grupo de Afinidade Racial para Ressignificar e Agir (G.A.R.R.A.), primeiro criado no setor elétrico brasileiro para discutir questões de raça e etnia. Foto: Gabriel Rechenioti / Acervo Memória da Eletricidade

“O setor elétrico é muito carente de ações articuladas e objetivas com foco na temática racial. São sempre iniciativas isoladas para tratar um problema que é coletivo”, afirma Carlos Torres, engenheiro eletricista do ONS, líder e fundador do Grupo de Afinidade Racial para Ressignificar e Agir (G.A.R.R.A.), o primeiro criado em uma instituição do setor elétrico brasileiro para discutir questões de raça e etnia.

Fundado em 2022, com apoio do então diretor-geral do Operador, nos três anos de atuação, o G.A.R.R.A. já conta com mais de 50 integrantes. Em entrevista com Carlos Torres, a Memória da Eletricidade destaca a atuação e as iniciativas do coletivo, e como o ambiente e os colaboradores do ONS têm sido cada vez mais beneficiados pelas ações organizadas.

ME: Como e em qual contexto o G.A.R.R.A. foi criado? Como as atividades iniciais foram conduzidas?

CT:
Iniciei minha trajetória no ONS como trainee, em 2019. Fiquei por um ano, trabalhei em uma transmissora e voltei em 2021. Logo após eu retornar, em novembro, houve um evento em registro ao Dia da Consciência Negra. Na ocasião convidaram eu e alguns outros colaboradores para discutir e explorar o tema. Assim, preparamos discursos para sensibilizar as pessoas sobre os desafios e sobre a importância de um olhar constante a longo prazo para questões de diversidade no geral, que já eram vistas pelo ONS, mas de uma forma mais modesta.

A partir disso, nosso então diretor-geral foi muito sensibilizado, e ele mesmo sugeriu a abertura de um espaço para que nós começássemos a tratar com ele movimentos de curto, médio e longo prazo com objetivo de evoluir o olhar para diversidade racial da organização. Quando olhamos para as empresas de engenharia, ainda há quadros majoritariamente masculinos e, em sua maioria, de pessoas brancas, muito num contexto histórico e de formação. O acesso a ensino de qualidade e as oportunidades, por muito tempo, tiveram a mesma cara, o mesmo padrão.

Então, entre as ações propostas, sugerimos a criação do grupo de afinidade para construir um espaço de maior acolhimento para pessoas de grupos minorizados e apoiar na promoção de iniciativas para que nós resolvêssemos os principais gargalos existentes. Estamos nos movimentando para equilibrar alguns destes desequilíbrios históricos.

ME: O G.A.R.R.A. contribuiu para melhorar a vivência das pessoas negras e de outros grupos minorizados no ONS? Como isso se manifesta no dia a dia?

CT: Posso garantir que sim. Não afirmo só porque sei que o ONS olha para isso, mas é por toda a dinâmica que nós construímos a organização. Com reuniões quase sempre mensais (do grupo de afinidade), consolidamos um espaço de diálogo, acolhimento, identificação, de olhar e entender que as pessoas sabem dos desafios e das virtudes, conhecem um pouco de quem nós somos na prática, para além dos estereótipos que existem. Mas além disso também utilizamos este espaço para análise e proposição de iniciativas que sejam positivas para a organização.

Hoje, sei que não vou passar por nenhum tipo de desconforto por uma característica específica minha, porque a casa está olhando para isso. Socialmente, é comum que as pessoas se coloquem no espaço de dizer “eu não sei”, ou “ninguém me ensinou”, mas no ONS ninguém pode argumentar isso, já que são realmente oferecidas e disponibilizadas diversas atividades de letramento.

ME: Quais conquistas você destacaria nesses anos de atuação do grupo, tanto em ações práticas quanto na mudança de cultura dentro do ONS?

CT: São camadas de construção para que a gente pegue algo que é um problema social, transforme em uma política e colocar aquilo no DNA de uma instituição.

Temos de maneira recorrente eventos do Dia da Consciência Negra, com palestrantes externos, o que na prática significa contratação e investimento, além de outros eventos realizados ao longo do ano. Recentemente, foi inaugurada a sala pertenSER, onde os integrantes dos quatro grupos de afinidade podem se reunir. A criação de curso antirracismo, que hoje integra o quadro de preparação dos colaboradores. Na biblioteca, conseguimos uma estrutura para incluir livros relacionados à raça.

O G.A.R.R.A. também construiu, juntamente com o grupo de Afinidade Mulheres a Bessa (MAB), o programa de Aceleração para Liderança pra Mulheres e pessoas Afrodescententes (ALMA), sendo um programa de mentoria e desenvolvimento de carreira de profissionais pertencentes a estes grupos. O reconhecimento deste programa ultrapassou as barreiras do ONS, uma vez que o programa está concorrendo à premiação da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH).

Essas são só algumas das ações concretas, mas para além destas, tivemos um geral de trazer a temática racial como algo relevante no ONS. Sabemos que o profissional que ingressar no ONS vai ser motivado e respeitado, e cada vez mais vamos construir um espaço de conforto para que ele possa se desenvolver e entregar o máximo de seu potencial.

ME: E para o futuro, quais são os objetivos e metas do G.A.R.R.A.?

CT: Agora, o nosso objetivo é abrir um pouco as portas do ONS, sair desse espaço de movimentação interna e fazer movimentos maiores dentro do setor elétrico, porque quando falamos de setor elétrico e os desafios que o ONS vive, nós sabemos que não são só nossos. Às vezes as histórias são contadas de formas diferentes, mas, no fim das contas, são parecidas. É um setor muito carente de ações articuladas e objetivas com foco em temática racial. São sempre iniciativas isoladas para tratar de um problema que, na verdade, é coletivo.

Quando faço um balanço do G.A.R.R.A., reconheço que num primeiro momento a gente identificou problemas que basicamente vivemos na sociedade como um todo, e não sabíamos até que ponto conseguiríamos ir. Uma porta foi aberta, mas não sabíamos até onde essa porta levava. Descobrimos no processo que, para nossa alegria, o ONS estava disposto a abrir espaço para construção desse caminho juntos.

Então no futuro queremos ocupar mais espaços, ter metas mais específicas, movimentos internos cada vez mais direcionados para essa evolução. Ultrapassar as barreiras do ONS e começar a fazer movimentos maiores e coordenados dentro do setor elétrico.

Carlos Torres

Carlos Torres e, ao fundo, a entrada do Espaço pertenSER, onde os integrantes dos quatro grupos de afinidade podem se reunir. Foto: Gabriel Rechenioti / Acervo Memória da Eletricidade

Carlos Torres é engenheiro eletricista, com ênfase em Sistemas de Potência, formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e mestre em Análises e Modelagens de Sistemas de Energia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Técnico em eletrônica de formação, iniciou sua carreira atuando no setor ainda antes de ingressar na graduação, trajetória que lhe permitiu custear seus estudos e consolidar sua formação acadêmica.

Trabalhou inicialmente na área de telecomunicações, onde permaneceu por seis anos, até migrar para o setor elétrico, seu campo de especialização. Ingressou no Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) em 2019 como trainee, passando pela Diretoria de Operações na Gerência de Análise de Desempenho e de Custos da Operação (AOC). Após um tempo fora da instituição, retornou em 2021, desta vez para atuar na Gerência da Apuração da Operação – AOP. É um dos fundadores e líder do Grupo de Afinidade Racial para Ressignificar e Agir (G.A.R.R.A.), primeiro grupo de afinidade racial no setor elétrico brasileiro.