Erguendo um gigante

01/06/2022

O engenheiro Paulo Richer tinha 35 anos quando foi convidado a trabalhar no gabinete do ministro das Minas e Energia, Gabriel Passos, e dele recebeu a missão de conduzir o processo de constituição da Eletrobras. Era um desafio gigantesco. O presidente João Goulart acabara de tomar posse após a grave crise institucional provocada pela renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961. A criação da Eletrobras era vista com reticências nos meios político e empresarial. O que se seguiu foi um caso de sucesso. Paulo Richer liderou com extraordinária dedicação e mineira competência a complexa operação de criar a estatal, e, em junho de 1962, há exatos 60 anos, a Eletrobras iniciou suas atividades. Paulo Richer foi o primeiro presidente da empresa, permanecendo a sua frente por quase dois anos. Em abril de 1964, foi afastado do cargo imediatamente após a deposição de João Goulart e a instauração do regime militar no Brasil. Em 1985 voltaria à administração pública federal, assumindo o posto de secretário-geral do Ministério das Minas e Energia, sob comando do ministro Aureliano Chaves. Deixaria a função em setembro de 1987, voltando a trabalhar na iniciativa privada. Residente em São Paulo, Paulo Richer rememora nesta entrevista o intenso período em que esteve à frente da Eletrobras.

Em abril de 1961, o presidente Jânio Quadros sancionou a lei que autorizou a União a proceder à constituição das Centrais Elétricas Brasileiras Sociedade Anônima, a Eletrobras. A lei foi aprovada com vetos a alguns dispositivos do projeto original de 1954, apresentado pelo presidente Getúlio Vargas. Quais as principais mudanças do texto em relação ao projeto original?

A Lei da Eletrobras ficou sete anos no Congresso, então nós tínhamos que fazer o mínimo de alteração, mas interpretar o que era prioridade. O projeto original incluía outras atividades que não exclusivamente a de holding. Ser uma holding significa buscar e encontrar recursos para uma atividade que era considerada muito difícil: concluir a usina de Furnas, necessária para o Rio de Janeiro não enfrentar racionamento. Eu disse aos meus diretores que enquanto não tivéssemos recursos não conseguiríamos ser holding. Conseguimos uma lei que parecia impossível: transformamos o imposto único de energia elétrica, que era um valor não corrigido pela inflação, e criamos um empréstimo compulsório pelo qual, na conta de energia, haveria um adicional com o compromisso de ser devolvido dez anos depois. Com isso, geramos uma massa dos recursos que garantiram a conclusão da usina de Furnas – de 1 milhão e 200 mil quilowatts. Na época, era a maior usina que existia no Brasil.

Como a Lei do Empréstimo Compulsório afetou a área de energia, na prática?

Pela primeira vez uma empresa de economia mista tinha recursos para emprestar. E quem tem recursos e pode aplicar logo ganha apoio e simpatia. Passamos a ter um diálogo surpreendente com as empresas estaduais que outrora eram distantes do governo federal. Elas passaram a ser frequentadoras da Eletrobras, porque tínhamos um caixa elevado e capacidade de emprestar em 24 horas, sem longos processos. Nós não éramos um fazedor de política com recursos, éramos parceiros, e passamos a ser acionistas de quase todas as empresas. Emprestávamos às empresas com a garantia de que teríamos a devolução, sendo o lucro da Eletrobras; perfeitamente legal, porque não havia nenhuma proibição de se aplicar recursos nas empresas. Acabamos com o complexo de que se tinha sempre que ir ao BNDE para terminar obras: éramos garantidores de términos de obra e em nenhum momento fugimos à lei que regulava a empresa: aplicar os recursos no setor de energia elétrica. Conseguimos colocar Furnas em operação em setembro de 1963 e evitar o colapso de energia em São Paulo e no Rio.

A chave da independência foi o aumento das receitas?

O que havia era um imposto único de energia elétrica em moeda constante, e apenas 40% ia para a Eletrobras, enquanto 60% ia para os estados e para os municípios. Nós nunca teríamos capacidade para sermos independentes. Independente significa: tenho um recurso, tenho um projeto, consulto meu dirigente, meu ministro, o presidente da República, e não preciso fazer nenhum tipo de lobby para tornar o projeto tecnicamente viável. Mineiros, transformamos coisas complicadas em coisas simples, respeitando o interesse de terceiros. Na maioria dos casos, o interesse de terceiros, dos grandes dirigentes de empresas, tinha relação com as multinacionais. Doutor Cotrim tinha sido engenheiro de multinacional. A gente tinha que respeitar a origem deles e não fazer política partidária nas empresas. Acabamos com a política partidária. Escolhemos engenheiros competentes que, quando tinham dúvida, me procuravam e eu os recebia sem desrespeitar o presidente da empresa. E o presidente sabia que eu já sabia do problema. Isso foi o que nós fizemos com os recursos limitados. Quando passamos a ter os recursos de captação, conquistamos independência. E a única forma de administrar no Brasil é tendo independência nos recursos. Eu era o presidente de uma empresa que não dependia de ninguém, nem do Ministério da Fazenda, para fazer as operações. Com o empréstimo compulsório, nós ficamos devendo às pessoas que pagavam uma taxa junto com a tarifa e passamos a ter um volume de recursos com o qual só teríamos compromisso dali a dez anos. O doutor Manoel Pinto de Aguiar, que tinha experiência como diretor-financeiro, começou a ser o grande investidor das empresas. Em vez de ter aquele recurso que demorava a sair e ninguém prestava contas, agora havia recursos, mas tinha que prestar contas. Nós mandávamos engenheiro, queríamos saber do andamento da obra. E as obras começaram a andar.

Por que o presidente Jânio Quadros, que sancionou a lei para a constituição da Eletrobras, não chegou a tomar nenhuma medida nesse sentido durante o seu governo?

Na realidade, via-se a Eletrobras como algo que não podia resolver o problema, porque já estavam acostumados a criar holding que não exercia atividade de holding. A Eletrobras foi holding legítima: só atuou na área de captar e investir recursos nas usinas de produção e distribuição de energia. Nunca fomos tentados a fazer paralelismo com a Chesf, com Furnas, com as grandes empresas das quais a Eletrobras tinha o controle acionário.

Como foi sua entrada na Eletrobras? O senhor já conhecia o ministro Gabriel Passos?

Como mineiro e como engenheiro, tínhamos amigos em comum. Eu e o deputado Euvaldo Diniz Gonçalves, de Sergipe, fizemos um jantar na casa do Augusto Marzagão e iniciou-se uma conversa sobre energia elétrica. Eu transmiti para eles as opiniões que tinha e o deputado disse o seguinte: “Duvido que o seu ministro te conheça, sabendo as coisas que você sabe”. Porque eu já era funcionário do ministério. Ele foi ao ministro Gabriel Passos, que ouviu sua exposição e me convocou. Fizemos uma longa conversa e ele me pediu uma proposta para criar a Eletrobras. Evidentemente, eu fui me informar dos detalhes e levei a ele o que podíamos fazer. Ele se encantou e disse: “Bom, só tem uma coisa, eu não vou fazer nenhum investimento do governo para reduzir tarifas de energia”. Foi fácil a gente se entender. Passamos a ter uma relação cada vez mais próxima, e ele começou a gostar da solução. Me perguntou o que eu achava da tarifa única, eu disse que nem pensar! Falei que tínhamos o problema das multinacionais, e era preciso remunerar o setor de energia elétrica, o que significa uma tarifa que consiga pagar os serviços e dê uma remuneração ao investimento. Ele disse: “Vamos fazer juntos”. E nós começamos a trabalhar juntos.

Ele tinha uma preocupação em reduzir as tarifas em todas as regiões do país?

Ele era profundamente aberto a uma demonstração das coisas com detalhes. Como ele me nomeou primeiro presidente de um grupo de trabalho que ia examinar a possibilidade de criar a Eletrobras, eu fiz convites pensando numa coisa essencial: todos os estados brasileiros teriam acesso, não seria uma solução da Cemig ou de Furnas, seria uma solução Brasil. O Rio Grande do Sul, onde eu estava trabalhando, a Bahia, todos os grandes estados brasileiros tinham que participar. E ele deu todo o apoio e começou a verificar que energia elétrica tem que remunerar o investimento, senão não pode expandir. Eu comecei a transmitir numericamente as informações, e ele foi absolutamente convencido do que tínhamos que fazer: tarifa remuneratória do investimento.

Esse grupo de trabalho foi nomeado quando?

Foi nomeado uns dez dias depois do meu contato com ele, por volta de outubro de 1961. Quando terminou, nós fizemos um grupo de trabalho específico para constituir a Eletrobras. Tínhamos pela frente não mais a opinião da Light, da Amforp [American and Foreign Power Co.], e sim a opinião do governo. Eu era funcionário público do Departamento Nacional da Produção Mineral, então tinha liberdade de recrutar pessoas de todos os estados para fazer a proposta de criação da Eletrobras.

Foi aí que o senhor fez aquele inquérito junto aos vários dirigentes de empresa, tanto estaduais quanto privadas?

Eu fiz questão absoluta de colocar representante do Rio Grande do Sul, onde eu estava trabalhando em empresa de energia elétrica, e dos outros estados, Cemig, Furnas, todos. E começamos a fazer entrevistas para verificar qual era a prioridade. Eu sempre dizia ao doutor Gabriel que a prioridade era ter recursos absolutamente seguros, e não ficar dependendo de projetos com a interferência das multinacionais, que preferiam continuar na situação como estava. Ele, que era um patriota e pessoa que conversava abertamente as coisas, concordava. Depois de tudo isso, me chamou um dia e disse: “Nós temos agora que constituir a diretoria da Eletrobras”. Eu disse que poderia sugerir alguns nomes. Ele respondeu: “Pode sugerir todos os nomes, menos o de presidente, que vai ser você”. Eu pensei em colocar como representante da Cemig o doutor Walter Tolentino Álvares, um advogado que o doutor Gabriel fazia questão que fosse membro da diretoria. Depois ele disse que precisávamos encontrar um engenheiro para ser o diretor de Engenharia. Eu pedi que ele propusesse uma solução e eu, como sou engenheiro, me adaptaria. Ele disse que estava pensando em um engenheiro de Itajubá chamado Antônio Aureliano Chaves de Mendonça. Eu falei: não o conheço, mas gostaria de ir a Belo Horizonte e conversar com o governador. Fomos lá, o governador indicou o professor Aureliano, ele chegou e fizemos um relacionamento que era realmente político. Foi uma indicação política, mas nunca de um político para administrar a empresa.

O Aureliano Chaves tinha capacidade para evitar um problema que eu estava vivendo. O doutor John Cotrim, que era presidente de Furnas e tinha boa relação comigo, sempre teve uma certa reação ao projeto da Eletrobras. Dizia o seguinte: “Eu estou ficando distante da criação da Eletrobras, porque as pessoas que estão sendo colocadas não têm necessariamente o meu apoio”. Eu disse: “então, precisamos lhe apresentar ao doutor Aureliano Chaves”. Ele afirmou que não faria a entrevista, que nem sabia quem era. Eu disse: é engenheiro eletricista, professor de Itajubá, o que significa, na minha opinião, que não pode haver melhor pessoa para conviver com a criação da Eletrobras. Ele: “então vamos conversar juntos”. E fizemos isso. Daí por diante, começamos a ter o apoio do Cotrim, que era essencial porque era o presidente da maior empresa brasileira em construção na época. Passou a ser íntimo nosso, tinha na Eletrobras um parceiro.

Era preciso ter bastante habilidade política.

Ninguém pode fazer alguma coisa sem conhecer as dificuldades. Não adianta montar um bom grupo de trabalho, se o grupo se isolar. Tem que ir na fonte conhecer os problemas. Foi o que fizemos. E o Aureliano Chaves era extremamente competente, engenheiro eletricista que não tinha nenhum preconceito de dialogar com Furnas e a Chesf que eram as grandes empresas da época. Dialogar em nível de engenharia eletrotécnica, em que ele era professor.

Ele era da UDN, mesmo partido do Magalhães Pinto, certo?

Era suplente de deputado estadual e conseguia fazer uma coisa inacreditável: jamais punha a política na discussão de engenharia. Ele era absolutamente independente na condição de professor, de se interessar pelos detalhes das usinas hidrelétricas. Posso dizer que tivemos, nessa oportunidade, uma experiência ímpar: um professor de engenharia eletrotécnica dialogando com os presidentes das empresas, que eram advogados. Então, a Eletrobras passou a ter uma força técnica, o que foi muito bom porque não compelimos ninguém a aceitar o que queríamos. Eu sou engenheiro e aprendi muito nas reuniões com esses técnicos que passaram a nos apoiar. Os presidentes de empresa, que eram profissionais não engenheiros, passaram a ver na Eletrobras uma empresa de engenharia porque existia um homem chamado Antônio Aureliano Chaves de Mendonça.

José Ribeiro de Lira também compôs a primeira diretoria?

Ele foi o primeiro diretor financeiro. Tinha sido do grupo de trabalho, era do BNDE e tinha uma enorme capacidade. Ele voltou para o BNDE em 1963 e o Dr. Manuel Pinto de Aguiar assumiu o seu lugar na Diretoria Financeira da Eletrobras.

Nós mostramos que a Eletrobras era uma empresa aberta, que servia aos interesses da energia elétrica pelo Brasil. Basta que se verifique os dois anos que nós tivemos lá, fazendo chegar o recurso a quem pode aumentar a potência instalada no Brasil. Nós temos que gerar energia. Com a entrada de Furnas em operação, seríamos um dos países com mais segurança, porque tínhamos 1 milhão e 200 mil quilowatts à disposição num rio com enorme capacidade, que era o rio Grande.

Nos tornamos uma empresa que a Petrobras nunca conseguiu ser, uma verdadeira central financeira. Terminamos a obra de Furnas e começamos a fazer tudo o que era preciso no setor elétrico, com o recurso que passamos a transmitir para as empresas cobrando juros. A Eletrobras passou a ser um banco que cobrava juros de mercado. Nós criamos assim uma quantidade de recursos incrível, e eu só dizia que não iríamos criar nenhuma dificuldade para as empresas estaduais, porque precisávamos ter apoio dos deputados e dos governadores. Combinei com o doutor Pinto de Aguiar que quando chegasse qualquer pedido de governador, ele passaria para mim e eu iria visitar o governador. Eu sou mineiro, vivi sempre próximo de como se deve fazer política, e política se faz buscando o interessado, não se faz dando entrevista em jornal e rádio. É preciso procurar o que ele quer. Quer dinheiro? Nós podemos fazer, mas queremos ter interferência direta na ampliação do setor de energia elétrica do Brasil.

Como era o relacionamento com a Light e com a Amforp?

Eu recebia muitos jornalistas perguntando quando é que ia ser feita a encampação da Light e da Amforp. Eu dizia que tínhamos que respeitar um contrato. Estava vencido há 30 ou 40 anos, mas a empresa era competente, com diretores que tinham muito poder político. Era preciso conviver com esses diretores sem nunca os ameaçar. Seis meses depois que eu saí da Eletrobras, a Amforp foi comprada

Como foi sua participação na Conesp, a Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços Públicos?

Ganhei de presente ser relator do assunto das multinacionais, da Light e da Amforp, o que, na realidade, não era uma atividade fácil. A Amforp tinha uma estrutura de apoio... o que havia de advogados na direção dessas empresas.... Então, mineiro que sou, o que eu fiz? Primeiro tem que convencê-los de que serão respeitados. Se temos que pagar 130 milhões de dólares para ter o controle da Amforp, vamos conseguir os dólares e vamos convencer a opinião pública de que não adianta encampar sem nenhum recurso. Eu sou da área nacionalista, a minha esposa é sobrinha do presidente João Goulart, mas eu convenço o presidente de que nós temos que respeitar o direito internacional. Ele foi aos Estados Unidos, voltou e me disse: “Agora nós vamos criar um grupo de trabalho para você me representar. Vamos colocar nesse grupo de trabalho pessoas que são contra a Eletrobras, e você fica com a responsabilidade de dizer que vai obter os recursos para comprar, pagando”. Eu disse: “presidente, mas nós não temos condições de desenvolver uma captação de recursos desse nível”. Eu posso negociar que metade desses recursos fiquem no Brasil? Ele me respondeu que eu, como mineiro, que resolvesse o problema. Consegui aumentar para 70% o reinvestimento no Brasil. O presidente João Goulart firmou compromisso com o presidente John Kennedy de respeitar os direitos das multinacionais. Respeitar significa pagar o preço justo, não vamos desapropriar nem tomar. Primeiro pagamos 130 milhões de dólares para a Amforp, uma empresa que tinha respaldo e era acompanhada internacionalmente. A Eletrobras passou a ser respeitada porque respeitou o direito dos concessionários.

Em setembro de 1963, o senhor acompanhou o ministro Oliveira Brito em uma missão ao Paraguai, para tratar do aproveitamento hidrelétrico de Sete Quedas, no rio Paraná. Poderia falar sobre essa viagem?

O ministro era da Bahia, do PSD, mas tinha uma enorme capacidade de ouvir as pessoas que conheciam o problema. Ele me chamou e disse: recebemos um convite e temos a possibilidade de visitar o presidente [Alfredo] Stroessner. “O que você acha?” Havia o projeto do doutor Marcondes Ferraz que previa o desvio das águas do rio Paraná e a construção de uma usina do lado brasileiro 60 km abaixo de Sete Quedas. Eu disse ao ministro que sempre é bom conversar quando se tem a capacidade de dizer realmente o que se pode onde nós temos delegação. “Quem você sugere que vá?”. “O diretor da Divisão de Águas, os técnicos da área de engenharia de energia elétrica”. Fomos a Assunção, o presidente Stroessner achou simpática a conversa conosco, mas em determinado momento me interrompeu, olhou para o ministro Oliveira Brito e disse: “Uma coisa eu lhe digo, ninguém vai fazer qualquer intervenção em Sete Quedas!! Nós ficamos pensando no que dizer. O ministro teve a gentileza de explicar que havia essa proposta do doutor Marcondes Ferraz, mas que o presidente da Eletrobras dava a palavra de que respeitaria inteiramente o direito do Paraguai. Nesse momento, Stroessner falou: “Está aberta a discussão para fazermos a usina de Sete Quedas”. Eu, como presidente, assumi o compromisso e fui ao presidente da República para ter certeza do apoio para fazer o que estava fazendo. Naturalmente, o doutor Marcondes Ferraz teve uma enorme reação contra isso, dizendo que ele tinha o melhor projeto.

Mas parecia viável politicamente?

Eu já tinha, nesse momento, uma enorme quantidade de informações para discutir com os paraguaios e ajudar o meu ministro, que era excepcional. Ele tinha enorme capacidade de ouvir e depois dialogar com as pessoas. Nunca era impositivo, e dizia que nunca tinha encontrado um mineiro mais mineiro do que eu, porque eu fazia tudo para ter a opinião dele antes de dar a minha. Ele dizia para eu dar a minha primeiro (risos). Me abraçava e dizia: “Estou inteiramente de acordo”. Excepcional dirigente.

É verdade que, na época, o aproveitamento hidrelétrico de Sete Quedas também foi estudado por engenheiros da União Soviética?

Não, não é verdade. Foi o seguinte: quando estávamos com dificuldade de oferecer soluções, o ministro me chamou e disse: “O que podemos fazer?”. “Nós podemos buscar uma outra fonte”. “Você não está pensando na Rússia, né?”. Eu digo: “Até que seria uma boa solução”. Ele disse: “Mineiro é incrível, descobre coisa impossível! Eu vou pensar no problema e você volta a falar comigo”. Eu voltei e disse que podíamos convidar o embaixador da União Soviética para vir à Eletrobras. Convidamos, o embaixador nos ouviu e disse: “Nunca tinha pensado nisso. Garanto uma coisa: vou trazer os maiores especialistas soviéticos ao Brasil. Vou trazer os engenheiros que fizeram as nossas grandes usinas”. Eles vieram sem custo nenhum para nós; já tínhamos programado ir a Furnas, a Sete Quedas, onde se podia fazer a usina. As grandes usinas brasileiras encantaram os soviéticos. Eles disseram que não tinham notícias de que o Brasil era capaz de fazer usinas de 1 milhão e 200 mil quilowatts com tecnologia própria. E ficou aquela história: como é que nós vamos avançar agora? Era muito mais para mostrar que a gente tinha opção. Os técnicos russos tiveram opinião extremamente favorável aos projetos que visitaram, uma opinião não necessariamente de concessionário americano. E acharam encantadora a solução obtida na usina de Furnas.

O senhor fez vários concursos públicos para formar o quadro de pessoal da Eletrobras?

Algumas pessoas diziam assim: “Tenho determinada idade, trabalhei tantos anos no setor elétrico, vou me aposentar e quero entrar na Eletrobras”. Eu era professor na Escola de Aeronáutica e avisava “Quem quiser entrar no quadro, tem que fazer concurso!”

Houve percalços na área política?

Eu não fazia outra coisa a não ser evitar que se transformasse os recursos da Eletrobras em documento político. Saí da Eletrobras e depus por 56 horas porque queriam saber o que estava errado. Evidentemente não conseguiram. Depois desse tempo todo, voltei para as minhas atividades e depois pedi demissão do serviço público. Ser capaz de fazer certo e ter que responder a pessoas que nem conhecem o problema... Algumas pessoas não sabiam nem o que era a Eletrobras e estavam me inquirindo.

Qual era o objetivo do inquérito?

A comissão de inquérito foi constituída para examinar a Eletrobras. Queriam saber como foram comprados equipamentos da Polônia, evidentemente nós nunca tivemos nenhuma atividade nesse sentido, queriam saber por que determinada pessoa era funcionário da Eletrobras, a maioria vinha do BNDE, ou era concursado e tinha direito: fez concurso público e entrou para a Eletrobras. Eu nunca procurei saber para que time de futebol torcia ou de que partido era. Era um cidadão que se inscreveu, fez concurso, passou e assumiu. Com isso, tivemos um quadro mínimo de pessoal da mais alta competência.

O inquérito aconteceu quando?

Quatro meses depois da minha saída. Foi conduzido por quatro pessoas que não conheciam os problemas. Perguntaram de tudo, até a minha renda, questões pessoais. Eu respondi tudo porque não tinha nenhum tipo de limitação. Mas cheguei à conclusão de que é preciso muito cuidado para ser funcionário de governo, a gente não fica isento de ter que prestar contas amanhã de coisas que não precisamos prestar, porque não havia nada errado.

Como se deu sua saída da Eletrobras?

Eu saí da Eletrobras em 1º de abril, menos de dois anos depois que entrei. Saí porque fui invadido: meu gabinete foi tomado por pessoas, alguns até tinham sido demitidos da minha administração, e tomaram a empresa. Eu disse o seguinte: “não vou buscar nem minha escova de dentes, que estava na minha mesa, porque pode parecer que estou desviando informações”. Pedi demissão logo depois da Revolução. Pedi demissão da Escola de Aeronáutica, onde era professor, e do Ministério de Minas e Energia, em que eu era engenheiro concursado. Pedi demissão porque uma coisa que não se pode aceitar é a redução da liberdade do cidadão. Tem que fazer concurso, respeitar o direito de terceiros e executar o serviço que interessa ao país. Não pode ficar subordinado a interesses laterais porque, por alguma razão, exerceu função pública.

A que atribui seu sucesso no processo de erguer a Eletrobras?

Todo mundo achou que foi muita sorte. Não foi sorte não, foi volume significativo de recursos e, do outro lado, ter o doutor Cotrim, que era uma pessoa com quem se podia falar e que não deixava desviar recurso. Ou a Cemig, que tinha o Celso Mello de Azevedo, um excepcional administrador, que recebia os recursos e os utilizava para fazer usina, haja vista o que nós concluímos de usina grande durante o tempo da Eletrobras. Nós tínhamos os recursos, as empresas tinham a tecnologia e ninguém conseguia obter qualquer tipo de vantagem pessoal. ///

Esta entrevista foi originalmente publicada na Revista Comunicação e Memória, da Memória da Eletricidade, na edição Nº6/ 2022.