Quando é justo apagar o passado?

01/09/2021

São imprecisas as fronteiras do direito ao esquecimento. Discute-se se a nomenclatura é adequada, sua relação com a proteção de dados, com as fake news, com remoção de conteúdos, e há até quem negue sua existência, tout court.

Se surge como uma forma de mitigar os efeitos sociais da divulgação de informações sobre presos após o cumprimento de suas respectivas penas, desde 2014 o direito ao esquecimento passa a ser associado à desindexação de informações de motores de busca na internet.

Dois casos emblemáticos de direito ao esquecimento foram julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), ambos tratando do programa Linha Direta Justiça, da Rede Globo de televisão. Em um deles, discutia-se a possibilidade de referência a um dos envolvidos no caso conhecido como Chacina da Candelária. Em outro, familiares de Aída Curi, jovem assassinada no final dos anos 1950 em Copacabana, ingressaram com ação em juízo pedindo reparação por reviverem as dores do passado. Este último foi levado ao Supremo Tribunal Federal, com grande repercussão. Mesmo não sendo um caso de direito ao esquecimento típico do momento atual – pois versa sobre programa de televisão e não sobre remoção de material acessível na internet – sua análise pelo STF representa um passo importante para a compreensão dos limites desse instituto.

Mesmo que uma decisão judicial negue acolhimento ao direito ao esquecimento, as questões de que ele trata podem ser, muitas vezes, analisadas a partir da incidência de outros direitos. Ainda que o termo “direito ao esquecimento”, atualmente tão popular, venha a ser rechaçado e, ironicamente, esquecido, não desaparecerão as demandas por ele qualificadas.

À luz do nosso ordenamento jurídico, que critérios e limites separam o que pode do que não pode estar incluído no debate sobre o direito ao esquecimento? Em princípio, discute-se quanto à sua natureza jurídica: trata-se de fato de direito autônomo ou é uma faceta do direito de privacidade? Em robusto parecer que trata da matéria, Daniel Sarmento afirma que o direito ao esquecimento “não está consagrado em qualquer norma jurídica, constitucional ou infraconstitucional. Na extensão que lhe atribuiu o STJ, ele tampouco pode ser extraído da Constituição pela via interpretativa – seja da garantia da privacidade, do princípio da dignidade da pessoa humana ou de qualquer outra cláusula – pois é claramente incompatível com nosso sistema constitucional”. E acrescenta que “o esquecimento sobre fatos que envolvem interesse público não pode ser visto como um direito fundamental, em regime constitucional que se preocupa tanto com o acesso à informação, garante a memória coletiva e valoriza a História”.

Nessa mesma direção, o termo “direito ao esquecimento” também é alvo de críticas por não se tratar propriamente de esquecimento, mas, ao contrário, de pleito para que determinada informação não esteja mais acessível publicamente, justamente porque não corresponderia à personalidade atual do sujeito. Com efeito, o esquecimento não pode ser imposto. Aliás, a experiência humana demonstra que quanto mais se deseja o esquecimento mais se desperta a curiosidade alheia e mais se aviva a memória. A esse fenômeno convencionou-se chamar “Efeito Streisand”, em razão de a atriz e cantora norte-americana Barbra Streisand ter tentado remover uma foto de sua casa de um site alegando preocupações com sua privacidade, e como consequência ter o site registrado um aumento considerável de visitas de usuários que queriam ver a referida foto. No limite, o que se pode impor é o apagamento de determinada informação, a proibição de que circule legalmente, a desindexação de base de dados, mas nunca que não seja lembrada.

Apesar de o direito ao esquecimento estar diretamente ligado à teoria geral do direito civil, outros ramos do direito também têm dispositivos que podem ser invocados na análise do tema, sobretudo para compreendermos sua origem histórica. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 43, estabelece critérios para abertura de cadastros e para a manutenção das informações neles contidas, entre outras provisões. A mais relevante, para este estudo, é a que determina que consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos sistemas de proteção ao crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores. Ora, se existe um prazo de cobrança por parte do credor e este prazo não é observado (o credor não cobra a dívida no tempo fixado legalmente e o direito de cobrá-la prescreve), o consumidor inadimplente não pode ser assim reconhecido – especialmente se essa informação vier a impedir ou dificultar acesso a novo crédito.

O Direito Penal também se preocupa com os efeitos do passado. O Código Penal brasileiro, em seu artigo 63, define reincidência como a prática de novo crime pelo agente, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. O artigo seguinte, entretanto, determina que, para efeito de reincidência, não prevalece a condenação anterior se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período superior a cinco anos. São dispositivos cuja finalidade é minimizar o efeito de uma condenação prévia na vida futura do condenado.

Realizada em 2013, a VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal produziu um enunciado segundo o qual a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento, mesmo que não seja este um direito de personalidade clássico. A justificativa para sua adoção é a de que “os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados”.

Para Anderson Schreiber, a discussão acerca do direito ao esquecimento acomoda-se em três principais correntes: a favor do direito à informação (endossada por diversos organismos ligados a meios de comunicação, que chegam mesmo a negar o direito ao esquecimento); a favor do direito ao esquecimento (posição, dentre outros, do IBCCrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais); e intermediária (opinião defendida pelo IBDCivil – Instituto Brasileiro de Direito Civil). A começar daí, vê-se que estamos ainda longe de um consenso.

Independentemente da vertente adotada, diversos são os questionamentos a serem enfrentados. Em manifestação perante o Supremo Tribunal Federal em junho de 2017, Carlos Affonso Souza, diretor do ITS – Instituto de Tecnologia e Sociedade, fez uma síntese de dez dilemas que envolvem a discussão sobre o direito ao esquecimento:

  1. Sua definição imprecisa;
  2. A arquitetura da internet é feita para lembrar, não para esquecer;
  3. É possível decidir a priori o que deve ser esquecido?;
  4. Privatização da análise sobre ilicitude;
  5. Efetividade da medida em âmbito internacional (o mundo todo precisa esquecer?);
  6. Efetividade, em razão do efeito parcial da decisão;
  7. Efeito Streisand;
  8. O risco de se reescrever a história;
  9. O direito ao esquecimento fragiliza a liberdade de expressão;
  10. O Marco Civil da Internet não dispõe sobre o tema. Estes aspectos se relacionam com as principais indagações que doutrinadores nacionais e estrangeiros vêm formulando a fim de melhor delimitar as fronteiras do direito ao esquecimento. À luz da jurisprudência pátria e internacional, buscamos encontrar alguns parâmetros para estabelecer um possível quadro teórico no qual se insere o direito ao esquecimento.

De acordo com André Brandão Nery Costa, “a comissão para revisão da Diretriz Europeia de Proteção de Dados definiu o direito ao esquecimento como ‘o direito de indivíduos de terem seus dados não mais processados e deletados quando não são mais necessários para propósitos legítimos’. O desafio apresentado por essa comissão no desenvolvimento do direito ao esquecimento seria demonstrar sua relevância e autonomia frente a outros direitos lá já existentes como o direito de deletar e de objetar e em que contexto ele seria instrumento hábil na tutela da pessoa humana”.

Márcio André Lopes Cavalcante concebeu o direito ao esquecimento como sendo “o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos”. Idêntico o magistério de Rogério Grecco acerca do tema: “Não somente a divulgação de fatos inéditos pode atingir o direito de intimidade das pessoas. Muitas vezes, mesmo os fatos já conhecidos publicamente, se reiteradamente divulgados, ou se voltarem a ser divulgados, relembrando acontecimentos passados, podem ferir o direito à intimidade”.

Para Viviane Nóbrega Maldonado, o direito ao esquecimento deve ser entendido “como a possibilidade de alijar-se do conhecimento de terceiros uma específica informação que, muito embora seja verdadeira e que, preteritamente, fosse considerada relevante, não mais ostenta interesse público em razão de anacronismo”. Por sua vez, Anderson Schreiber afirma: “trata-se, em síntese, de um direito a não ser constantemente perseguido por fatos do passado, que já não mais refletem a identidade atual daquela pessoa. O direito ao esquecimento é, assim, essencialmente um direito contra uma recordação opressiva de fatos que pode minar a capacidade do ser humano de evoluir e se modificar”.

A informação objeto de direito ao esquecimento deve ser, portanto, de natureza eminentemente privada e sua revelação deve atingir um direito de personalidae, seja a privacidade, seja a honra. Sendo um dado público ou sobre o qual paira interesse público, deve ser conservado – por mais difícil que seja aferir, a priori, se um dado se encontra revestido de interesse público no momento em que o alegado direito ao esquecimento for apreciado.

Nesse debate, o conceito de interesse público será fundamental. Ao analisar o tema do direito ao esquecimento, o ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, afirmou: “o interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas consumadas irreversivelmente”.

Sabe-se da dificuldade em se circunscrever o que seria “interesse público”. Celso Antônio Bandeira de Mello assim o qualifica: “deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”, em outras palavras: “os interesses públicos correspondem à dimensão pública dos interesses individuais”.

Porém, tal dificuldade de conceituação do que seja, na prática, “interesse público” não pode ser obstáculo para se aceitar o critério ou, ainda, para se repelir a possibilidade de existência do direito ao esquecimento em razão da vagueza de um de seus requisitos. O Poder Judiciário precisa diariamente aplicar princípios igualmente abstratos, como boa-fé objetiva, função social e bons costumes, entre outros. O que se espera, nessas situações, é que outros valores mais concretos ajudem à construção de uma teoria doutrinária e jurisprudencial que minimize os efeitos da incerteza sobre o que seria “interesse público” diante do direito ao esquecimento.

A esse cenário pouco preciso, soma-se uma dificuldade extra bastante relevante: a questão do transcurso temporal. Como pode uma informação ser lícita quando de sua divulgação e tornar-se ilícita com o decurso do tempo? A bem da verdade, essa pergunta encontra resposta já na tutela dos próprios direitos de privacidade e de imagem. Um evento noticioso, por exemplo, pode fazer com que seus protagonistas sejam expostos, ainda que contra sua vontade, em mídia nacional ou internacional. Passado o evento, contudo, a exposição dessas mesmas pessoas pode ser caracterizada como uma violação à privacidade ou à imagem. O caso Lebach, ocorrido na Alemanha dos anos 1970, é exemplo de que a discussão vai além do âmbito penal, se analisados aspectos de direito civil: a Justiça decidiu pela proteção da imagem e da privacidade de um ex-condenado diante do interesse de um canal de TV em produzir, depois de sua soltura, um documentário sobre os eventos passados.

Os artigos 43, §5º, do Código de Defesa do Consumidor e 63 do Código Penal apresentam hipóteses em que a conservação e a utilização de informações legitimamente coletadas podem ser consideradas ilícitas para alguns fins após o decurso de certo prazo. Não são raros os casos em que o efeito do tempo muda os direitos em jogo das partes envolvidas. Prescrição e usucapião são dois exemplos. Logo, não parece impossível – ou sequer contraditório – que a divulgação de dados e fatos em um primeiro momento seja lícita, mas se converta em ilícita após um lapso temporal.

A veracidade da informação também deve estar presente para se invocar o direito ao esquecimento. Tratando-se de informação falsa, outros devem ser os mecanismos a serem preferivelmente utilizados, tais como o direito de resposta ou o dever de o meio de comunicação atualizar a informação com dados novos ou mais precisos. Pode-se mesmo chegar ao extremo de suprimir a informação de acesso ao público por ordem judicial, mas não se deve qualificar tal hipótese como direito ao esquecimento, já que neste caso não se trata de algo que se queira esquecer, apagar, mas tão somente informação que, por ser falsa, deve ser combatida por violar outros direitos (como a honra, por exemplo).

Ainda que a informação seja verídica e que tenha se passado um lapso temporal entre sua divulgação original e a invocação do direito ao esquecimento, este só incidirá nas hipóteses em que houver dano potencial na manutenção daquela informação por parte de terceiros. Ou seja, o direito ao esquecimento não pode ser requerido por mero capricho, mas sim porque a conservação daquela informação acarreta um risco ou propriamente um dano a seu titular. Esse dano pode ser de ordem familiar, social, profissional – moral ou patrimonial. Se a conservação daquela informação específica for inócua, ou seja, não acarretar uma ameaça de dano, então não estaremos diante do direito ao esquecimento.

Um elemento diversas vezes mencionado em casos nos quais se discute direito ao esquecimento é a tutela da liberdade de expressão, uma vez que aquele não pode se prestar a fazer o papel de censor. Todavia, parece-nos que se a manutenção do dado causa dano a seu titular e, por outro lado, não gera qualquer benefício público, sua supressão poderá ser deferida. Trata-se de hipótese semelhante ao já citado caso Lebach: de fato, a divulgação do nome do envolvido não revertia em qualquer benefício público, ao mesmo tempo em que lhe causava potenciais danos sociais. Além disso, a supressão dos nomes dos envolvidos no crime sequer comprometia a liberdade de expressão, uma vez que as histórias de que eram parte poderiam ser contadas em sua totalidade, independentemente de suas identidades.

Por outro lado, se houver interesse público no acesso aos dados, então o direito ao esquecimento não será o melhor caminho a ser seguido. A aplicação desse critério associa-se à proteção da liberdade de expressão quando se trata de evento histórico (ainda que essa categoria seja ontologicamente controvertida), que não pode ser esquecido. Existiria, nesta situação, um outro dever – reverso àquele: o dever de memória. O caso mais evidente, e mais lembrado, é o do Holocausto. Diante de sua gravidade, não só seria impossível acolher demandas relativas a um desejo privado de ter o evento esquecido como seria imperioso que seus registros fossem preservados.

O pedido relativo ao exercício de direito ao esquecimento deve ter como destinatário o meio de comunicação onde se encontra o conteúdo a ser esquecido. No caso da internet, o pedido deve ser, portanto, voltado ao provedor que hospeda o endereço na internet no qual o conteúdo se encontra, e não ao provedor de buscas, uma vez que não é ele o responsável por hospedar aquele conteúdo na rede. Nessa última hipótese, não estaríamos diante de direito ao esquecimento propriamente dito, mas de pedido de desindexação – o que envolve um desafio para a eficária da decisão judicial: se o Google, por exemplo, é obrigado a remover o link de seu resultado da pesquisa, muito provavelmente ainda será possível encontrar o mesmo resultado em outros mecanismos de busca, como Yahoo ou Bing.

Outra variável, mais complexa, trata da dificuldade de se efetivar internacionalmente decisões que determinem a remoção do conteúdo do site onde se encontra. Afinal, a retirada do conteúdo deverá ser aplicada sob quais parâmetros, sob a lei de qual país, para produzir efeitos onde? Quando a informação objeto da demanda de retirada do conteúdo se encontra em um único site, então sua efetividade se produz mais facilmente. Todavia, quando está disseminada em diversos canais de comunicação online, em mais de um país, então o cumprimento de uma decisão relativa ao direito ao esquecimento será consideravalmente mais desafiador. Assim como as outras questões aqui discutidas, esse tema precisará ainda ser submetido a um debate global e profundo para que respostas adequadas sejam encontradas.

Vale fazer referência a demandas frequentemente confundidas com o direito ao esquecimento mas que dele se diferenciam. O caso Aída Curi, por exemplo, não atende aos requisitos para essa qualificação. Parecem adequados os argumentos quando da análise do tema no Superior Tribunal de Justiça, tais como o fato de o crime, além de histórico, ter se celebrizado com o nome da vítima, e por isso o direito de mencioná-lo é garantia de liberdade de expressão para se contar um caso tão notório na crônica policial brasileira. Todavia, há outro elemento a ser considerado. Parece-nos que os irmãos de Aída Curi, ao proporem ação de reparação pelos danos sofridos, atuam em nome próprio, pleiteando indenização por dano sofrido por eles. Ora, o direito ao esquecimento, no caso, não seria de Aída Curi (se viva fosse)? Seria possível o direito ao esquecimento ser estendido a outras pessoas, não mencionadas diretamente no fato que se pretende não divulgar?

Não se pode também confundir o direito ao esquecimento com o desejo de voltar a ser uma pessoa anônima. Aqui, não há repúdio a dados ou fatos do passado: o que existe é apenas a vontade de não se ter mais os holofotes da fama voltados para si. Mesmo que alguns juristas apontem o lugar público e a pessoa pública como falsos parâmetros para se permitir a diminuição da esfera de proteção da imagem e da privacidade, na prática sabe-se que estes são mesmo critérios utilizados em detrimento dos direitos de personalidade de alguns indivíduos. Quem foi famoso e agora não quer mais sê-lo, não invoca por isso direito ao esquecimento – apenas pleiteia voltar à zona de anonimato da qual havia saído e na qual tem seus direitos de personalidade mais protegidos.

Também não pode ser considerado direito ao esquecimento o controle de dados pessoais previsto no Marco Civil da Internet – e na recém vigente Lei Geral de Proteção de Dados – e muito menos a remoção de conteúdo decorrente também do Marco Civil. No primeiro caso, trata-se de mera relação contratual, com pedido de exclusão de dados ao término da relação entre as partes. Não se cogita aqui que os dados estejam causando potencial dano a direitos de personalidade de seu titular. O que ocorre é tão somente que este não tem mais interesse nos serviços oferecidos pelo site e pede para seus dados serem excluídos de forma definitiva. Quanto à remoção de conteúdo prevista nos artigos 19 e 21 do Marco Civil da Internet, trata-se de pedido infringente a direitos de terceiros. Há, aqui, uma violação a direitos lato sensu, decorrente de inúmeras hipóteses, como difamação e violação à intimidade sexual, com um campo de aplicação muito mais amplo do que o do direito ao esquecimento.

Finalmente, muitas são as situações em que se pode discutir se o uso dos dados pessoais por terceiros é lícito, se há desvio de finalidade, se há interesse público – mas não parecem ser casos específicos de direito ao esquecimento. Afinal, em última instância, o que se pretende não é que o dado seja apagado, removido ou não divulgado publicamente, mas que não seja usado para uma finalidade específica que pode causar prejuízo ao seu titular.

Por esse motivo, no estágio atual do debate, a eliminação do conteúdo não é, evidentemente, a única solução. E nem parece ser a mais simples, por todas as dificuldades práticas de se eliminar em definitivo um dado da internet. Outras soluções poderiam ser medidas de direito de resposta ou atualização de conteúdo (right of reply e right of rectification), dando-se sempre a mesma ênfase da notícia original.

Essas soluções, eminentemente baseadas em mudanças comportamentais, certamente são mais lentas para serem implementadas, ainda que fossem, talvez, as mais desejáveis. Nesses casos, a sociedade seria levada a respeitar mais integralmente a dignidade alheia e lidaria com os fatos pretéritos não com sua destruição ou apagamento, mas com diálogo e mais informação. Nem sempre os conflitos seriam resolvidos, mas certamente teriam seu número reduzido.

Como sob a designação “direito ao esquecimento” encontramos diversas disputas que nem sempre deveriam ser assim qualificadas, esperamos que a passagem do tempo e o aprofundamento da doutrina e das decisões judiciais possam encontrar categorias mais adequadas para cada uma das demandas, com soluções justas, independentemente da denominação que lhes seja atribuída. ///

Este artigo foi originalmente publicado na Revista Comunicação e Memória, da Memória da Eletricidade, na edição Nº3/ 2021.

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