"O seu problema é a comunicação!"

01/03/2021

Todo dirigente de empresa ou instituição já ouviu – ou ainda vai ouvir – o diagnóstico: “O seu problema é a comunicação!”. É uma frase surrada, mas, em geral, corresponde à realidade. Resultados empresariais dependem em larga medida de uma comunicação eficiente e planejada, da capacidade de a instituição se engajar num diálogo construtivo com seus diferentes públicos. Deveria ser entendida como uma atividade estratégica, mas, muitas vezes, a comunicação deixa de receber a necessária atenção da liderança empresarial no momento do planejamento e passa a ser vista como uma “chateação” que aparece de tempos em tempos. Erros de comunicação, no entanto, costumam custar caro para as organizações.

Outra frase famosa: “Comunicação não é o que você fala, mas o que o outro entende”. Em outras palavras, não há espaço para improvisação. Por mais que a empresa tenha bons produtos e representantes qualificados, a transmissão de mensagens e o recolhimento da reação a elas precisam ser precedidos de análise, de preparo, de estudo de riscos e oportunidades. Traçar cenários é vital na comunicação. Qual será o impacto de determinada informação? Que tipo de ruído comunicacional precisa ser evitado? Corrigir um processo truncado é muito mais difícil do que construi-lo desde o começo em bases sólidas.

A comunicação de empresas e organizações tem objetivos múltiplos. Pode ser a divulgação de um novo serviço ou produto à imprensa, a mobilização de funcionários em torno de determinada campanha, a apresentação de resultados a investidores ou de uma nova iniciativa junto a governos. Esses objetivos têm um alvo em comum: fortalecer a reputação da instituição. Trata-se do principal valor intangível de uma marca. Seja uma empresa que vende produtos ao consumidor ou uma instituição cultural, a imagem projetada para a sociedade tem impacto decisivo sobre seus resultados. Como sabem os líderes corporativos, o valor da marca não se mede simplesmente por instalações e equipamentos, mas, cada vez mais, pela relação de confiança que desenvolvem com seus públicos. O exemplo mais claro está nas empresas globais de tecnologia, cujos valores de mercado chegaram a números nunca vistos ao venderem acesso rápido e fácil ao universo digital.

Entre as máximas mais conhecidas do meio, todo gestor já deve ter ouvido esta: “Criar uma reputação leva anos, destrui-la pode levar segundos”. Criar e solidificar a reputação corporativa deve ser prioridade número 1 do gestor. Justifica investimentos em comunicação, marketing e, acima de tudo, planejamento. Investimento que só terá validade se os compromissos forem concretos, palpáveis, pois sem credibilidade não há reputação que sobreviva. Crises em empresas e organizações costumam ter um elemento de comunicação determinante. Em tempos de tranquilidade, dialogar com transparência é o que se espera de qualquer empresa, mas é nos momentos de crise que atuar de forma eficiente pode significar a diferença entre preservar a reputação (e, assim, a marca) ou assinar a sentença de morte de uma organização.

A questão é que, muitas vezes, os profissionais de comunicação não são chamados a participar do processo desde o início. Se fossem, poderiam fazer um mapa de riscos e planejar ações para os diferentes cenários. Esse tipo de preparação é mais comum em empresas onde há possibilidade de acidentes físicos em operações industriais, mas deveria ser adotada por toda e qualquer instituição que tenha uma reputação a cuidar.

Para ter sucesso, a comunicação corporativa deve ser uma atividade integrada. Significa que existem canais e públicos variados, que devem ser analisados tanto de forma geral como em suas especificidades. Haverá estratégias e mensagens comuns a todos, e outras serão segmentadas. Hoje, o digital é característica transversal da atividade. Permite análises rápidas e profundas de resultados, facilita acessos e viabiliza contatos cada vez mais personalizados. Por outro lado, potencializa crises e exige agilidade das equipes de comunicação.

Aqui está inserido o conceito de stakeholder, ou público de interesse. São os grupos da sociedade impactados pelas ações de determinada empresa. Naturalmente, se existe impacto há uma relação entre as partes que precisa ser intermediada pelo processo comunicacional. Caberá aos responsáveis pela comunicação definir as mensagens e os canais a serem utilizados de acordo com a característica de cada stakeholder.

Alguns dos públicos estratégicos de uma empresa ou organização incluem:

Colaboradores/ funcionários: É um público primordial. Idealmente, serão os “embaixadores” da marca, os principais porta-vozes da instituição. Por outro lado, se não tiverem confiança nas mensagens e na postura dos líderes – ou, pior, se souberem das informações por canais extra-oficiais – essas pessoas poderão enfraquecer a reputação corporativa.

Consumidores/ clientes: São o grande objetivo das organizações, e inúmeras pesquisas já demonstraram a crescente importância da imagem que este público faz da marca no momento de decidir uma compra ou de associar-se a uma Organização Não Governamental, por exemplo.

Entidades setoriais: Representam um setor da economia ou da sociedade, e devem estar bem-informadas sobre as iniciativas e necessidades da empresa para que possam ser traçadas estratégias comuns.

Governos: O poder público é o grande “sócio” de qualquer empresa ou organização, seja pelos impostos que cobra ou pelas políticas públicas que define. Dialogar com o governo, em suas diferentes esferas, é não apenas uma necessidade mas uma obrigação.

A depender da natureza da instituição, haverá outros stakeholders – como órgãos reguladores, fornecedores, ONGs, universidades, centros de pesquisa, embaixadas, órgãos multilaterais. Ter um Mapa de Stakeholders é fundamental para toda organização, assim como conhecer as expectativas de cada um e os melhores canais de relacionamento a serem acionados.

Um público estratégico no universo dos stakeholders é a imprensa, ainda mais por constituir um canal privilegiado com os demais. Há muitos questionamentos sobre a força e a influência da imprensa em tempos de redes sociais, quando qualquer cidadão pode ser um produtor de conteúdo. De fato, veículos tradicionais diminuíram suas equipes ao redor do mundo, mas o jornalismo profissional – aquele que checa dados e ouve os diversos lados da notícia – continua a ter papel decisivo na filtragem e no entendimento das informações, e é o melhor antídoto para as fake news.

Naturalmente, as pessoas buscam informações nas redes sociais, ambientes que dão rapidez e capilaridade à circulação de conteúdos. Elas permitem a mobilização social e a discussão de temas importantes, e sem dúvida trouxeram uma mudança do paradigma nos relacionamentos institucionais. Ao mesmo tempo, são canais que elevam o risco de desinformação, seja ela intencional ou não. Levantamentos mostram que grande parte dos internautas tem dificuldade em identificar uma notícia falsa, o que facilita sua disseminação. Caminhar com cuidado redobrado neste terreno faz toda a diferença para comunicadores corporativos.

O desafio de inserir as redes sociais na estratégia comunicacional é fazer com que, em meio à avalanche de informações, as mensagens institucionais cheguem a seus destinatários de forma clara. É preciso construir um relacionamento saudável com as redes. Empresas e instituições têm responsabilidade nesta construção, precisam fornecer conteúdos técnicos e transparentes, além de estarem preparadas para se engajar em diálogos construtivos.

Onde há conteúdo de qualidade, o espaço para fake news é menor. E o melhor caminho para qualificar a comunicação é planejá-la de forma profissional, como já era feito pelos bons estrategistas de comunicação na era da mídia impressa. Muda a plataforma, mas a técnica é a mesma.

O tradicional trabalho de Assessoria de Imprensa – agora chamado de Relações com as Mídias – é cada vez mais necessário. Deve se pautar pela transparência e pelo estímulo ao jornalismo profissional. Vale lembrar que inúmeros acalorados debates on-line são baseados em reportagens que primeiro apareceram em veículos jornalísticos.

Em resumo, no contexto da sociedade conectada, programas continuados de relacionamento com as mídias (on ou offline) continuam a ser prioritários para a comunicação corporativa. As marcas devem se colocar junto a veículos tradicionais, sites e blogs jornalísticos, além de produzir conteúdo para redes sociais e monitorar a presença da empresa nesse ambiente. A preparação de porta-vozes para que entendam o funcionamento da imprensa e conheçam técnicas para transmissão de mensagens também deve ser um objetivo constante não apenas da equipe de comunicação, mas de toda a liderança da organização. Líderes empresariais cometem um erro estratégico ao minimizarem a importância de media trainings, por exemplo.

Assim como todas as demais atividades empresariais, a comunicação também foi fortemente afetada pela pandemia da Covid-19. Processos foram profundamente alterados, começando pela aceleração do uso de canais digitais. Além da mudança nos formatos, a crise sanitária impactou os conteúdos. As lives ficaram famosas e transformaram-se em canais de transmissão de mensagens das instituições e de seus profissionais. Eventos presenciais, que sempre foram uma tradição nos relacionamentos corporativos, acabaram da noite para o dia. Várias destas mudanças serão irreversíveis e sinalizam para um novo ambiente de relações institucionais.

Diante da ameaça das fake news, principalmente no campo da saúde, cabe às empresas e organizações reforçarem o compromisso com a credibilidade, um bem intangível precioso. O cidadão vem sendo bombardeado com mensagens incorretas que geram enorme insegurança na sociedade. A comunicação precisa dirimir dúvidas, não alimentá-las. As marcas não devem desaparecer do universo comunicacional neste momento de crise sanitária. O silêncio não ajuda em momentos de incerteza. É preciso mostrar como a organização enfrenta o problema, manter seus colaboradores informados, apresentar uma visão de como será sua operação no pós-pandemia.

Pesquisadores e especialistas têm debatido intensamente os impactos da pandemia sobre o futuro da comunicação. Além do já mencionado impulso à rápida digitalização, uma conclusão aponta para a maior cobrança por parte da sociedade em relação à postura das empresas e organizações. Em outras palavras, não bastará ter imagem de credibilidade, será necessário “entregar” os compromissos assumidos com qualidade de produtos e serviços, consciência ambiental, respeito às leis, governança e diversidade sociocultural, entre outros. Haverá mais cobrança social dentro desta nova complexidade. Organizações que não estiverem preparadas ficarão para trás. ///

Este artigo foi originalmente publicado na Revista Comunicação e Memória, da Memória da Eletricidade, na edição Nº1/ 2021.

Leia Mais:

BERKELEY, George. Obras filosóficas. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

CÍCERO, Antonio. A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002.

AUGUSTO RODRIGUES. ENTENDER O PRESENTE PARA CONSTRUIR O FUTURO. Leia Mais: https://www.aberje.com.br/pesquisas/aberje-e-a-historia-e-memoria-empresarial/