Brasil em foco na transição energética: especialistas destacam protagonismo do país e desafios para zerar emissões
Agnes da Costa, diretora da Aneel, durante palestra no evento 'Diálogos da Transição 2025'. Foto: Juliana Rezende / Agência Eixos
A Memória da Eletricidade marcou presença no evento “Diálogos da Transição 2025”, promovido pela agência eixos e pela Firjan, que reuniu executivos, autoridades e especialistas do setor de energia para debater os caminhos da descarbonização no Brasil e destacar onde o país está nos termos da transição energética. Tanto representantes do ramo de óleo e gás quanto do setor elétrico estiveram presentes no debate, que ocorreu no fim de outubro, na sede da Firjan, no Rio de Janeiro, e foi transmitido no Youtube.
Entre os principais representantes do setor elétrico, estavam: Agnes da Costa, diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); Paulo Luciano de Carvalho, superintendente de Inovação e Transição Energética da Aneel; Carla Achão, superintendente de Estudos Econômicos e Energéticos da EPE; Graciela Brighenti Campos Mendes, engenheira especialista da Light Energia; e Antônio Müller, primeiro vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear.
Já da indústria de petróleo e gás, participaram: Renato Dutra, secretário nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia; Wagner Victer, gerente executivo de Programas Estruturantes da Petrobras; Paulo Marinho, gerente de P&D da Petrobras; Marcello Weydt, diretor do Departamento de Gás do MME; e Alvaro Tupiassu, gerente executivo de gás e energia da Petrobras.
O Brasil na Transição Energética
O Brasil é o terceiro maior produtor de energia renovável do mundo, atrás somente da China e dos Estados Unidos, e as fontes limpas já são mais de 70% da matriz elétrica do país, divididas entre usinas hidrelétricas — incluindo as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) e as Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGH) —, eólicas e fotovoltaicas. Já toda a matriz energética brasileira, incluindo o setor de petróleo e gás, é composta por 50% de fontes renováveis.
Durante as falas, grande parte dos palestrantes ressaltaram como o Brasil está à frente do resto do mundo quando se trata de geração renovável. Em média, apenas 14% das fontes energéticas dos demais países são limpas. Também partiram do princípio de que a transição energética precisa ser justa, inclusiva e segura.
Preparamos um apanhado dos principais painéis do evento. Confira abaixo.
'Sem geração nuclear, Brasil não vai atingir o net zero', afirma o diretor da Associação Brasileira de Energia Nuclear
Antônio Müller, vice-presidente da Aben, debate importância da energia nucler. Foto: Reprodução / Youtube
Para Antônio Muller, vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), sem investimento na geração nuclear, o Brasil não será capaz de atingir o compromisso do “net zero” — meta firmada entre mais de 190 países no Acordo de Paris para equilibrar as emissões de gases de efeito estufa até 2050 —, visto que a energia nuclear é reconhecida como limpa pela Comunidade Europeia.
“Ela atende aos compromissos do net zero e funciona como uma complementação às outras fontes renováveis, além de ter uma boa aceitação pública. Hoje, a China é o país que mais investe na indústria. São 63 projetos em andamento no mundo, sendo 32 conduzidos lá. O Brasil perdeu o passo, a China não tinha usinas nucleares até os anos 1980”, destacou.
Mais adiante, Muller explicou que parte destes investimentos ao redor do mundo são nos Small Modular Reactors (SMRs), reatores que funcionam como usinas nucleares compactas, padronizadas e construídas por módulo. Os SMRs são mais flexíveis, por conta do tamanho, e podem ser aplicados em diversos ramos estratégicos do país, como a mineração, siderurgia, metalurgia, entre outros.
Diante desse cenário, Muller acrescentou que o Brasil só conseguirá se firmar no setor nuclear ao dar sequência ao seu programa e ampliar a capacidade instalada. “Os SMRs podem ser uma das grandes soluções, trazendo escala, segurança e flexibilidade para atender regiões e setores estratégicos. Mas, para que isso aconteça, é indispensável avançar com Angra 3. Não dá mais para adiar essa decisão. É possível ter SMRs sem Angra 3, claro, mas o país precisa de confiança na sua política nuclear. Angra 1 e 2 já operam com excelência e batem recordes anualmente. Esse trabalho precisa ter continuidade”, finalizou.
Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHRs) podem contribuir efetivamente para a Transição Energética
Graciela Brighenti, engenheira especialista da Light reforçou a importância das hidrelétricas reversíveis. Foto: Reprodução / Youtube
Durante sua fala, Graciela Brighenti, engenheira especialista da Light, destacou que a tradição hidráulica do Brasil oferece uma base privilegiada para a transição energética. Segundo ela, as usinas hidrelétricas reversíveis, que são estruturas geradoras capazes de operar tanto no modo de geração quanto no de bombeamento (quando há sobra de energia na rede), representam uma peça-chave para garantir estabilidade ao sistema elétrico brasileiro e garantem a confiabilidade que o setor busca em fontes intermitentes, como a eólica e a solar.
“As UHRs reversíveis operam com um ciclo simples, eficiente e totalmente baseado em energia limpa, mantendo uma eficiência energética de 70% a 85%. E essa herança hidráulica do Brasil facilita a operação, colocando o país em posição vantajosa para avançar nesse modelo”, afirmou.
Brighenti completou ainda que o modelo contribui diretamente para a integração das fontes renováveis: “Esse tipo de solução conversa com o que estamos construindo: integrar, e não substituir. Hidrelétricas, eólicas, solares e usinas reversíveis juntas formam um caminho sólido para uma transição energética sustentável, e as UHRs representam um passo que reafirma o protagonismo do Brasil na construção de um futuro limpo”.
No entanto, a engenheira especialista deixou claro que ainda há algumas barreiras para o desenvolvimento em escala das UHRs: a falta de um marco regulatório específico; a necessidade de criação de mecanismos de remuneração que reconheçam o valor dos atributos destas usinas; e a falta de coordenação entre os principais órgãos do setor elétrico para viabilizar a implementação das UHRs.
'Brasil tem conseguido atender sua demanda energética com cada vez mais eficiência', ressalta superintendente da EPE
Carla Achão, superintendente de Estudos Econômicos e Energéticos da EPE destacou a atuação da instituição. Foto: Reprodução / Youtube
Carla Achão, superintendente de Estudos Econômicos e Energéticos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ressaltou o papel estratégico da instituição na formulação das políticas públicas do setor durante seu painel. A EPE subsidia o planejamento energético nacional com dados e projeções que orientam as ações do Ministério de Minas e Energia, com dois principais produtos: o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) e o Plano Nacional de Energia (PNE). Ambos podem ser acessados no site da instituição.
A partir disso, Achão destacou que a transição energética é um processo global, e o Brasil já percorre esse caminho há décadas, tendo consolidado uma matriz diversificada e com ampla presença de recursos limpos. “O Brasil tem conseguido atender sua demanda de energia de forma cada vez mais eficiente. Em 2024, nossa oferta interna cresceu entre 1,9% e 2,4%, enquanto o PIB avançou 3,4%. Isso significa que estamos nos desenvolvendo ao mesmo tempo em que consumimos menos energia, comparação que chamamos de intensidade energética”, explicou.
A superintendente também chamou atenção para os avanços viabilizados pelas fontes renováveis: “Graças a essa estrutura, tivemos um aumento de apenas 0,6% nas emissões entre 2023 e 2024. As renováveis têm um papel fundamental em praticamente estabilizar as emissões do Brasil”, pontuou, lembrando que o maior desafio climático nacional não está no setor energético, mas no uso do solo e no desmatamento.
Para finalizar, Achão reforçou que os ganhos de eficiência energética projetados para o país até 2034, principalmente nos setores industrial e de transportes, serão determinantes para manter o Brasil competitivo. “Para continuar em posição de vanguarda, é essencial investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação, incorporando tecnologias que ainda não estão disponíveis. A EPE tem atuado há mais de 20 anos reduzindo assimetrias de informação e iluminando os caminhos possíveis para a transição energética brasileira”, concluiu.
Papel da regulação do setor elétrico na Transição Energética
Por fim, Agnes da Costa, diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), considerou que é essencial compreender onde a regulação do setor elétrico está inserida dentro das políticas de transição energética no Brasil. “Para compreender esse processo, é fundamental partir do princípio de que o setor elétrico está inserido no setor energético, que integra a economia nacional que, ao mesmo tempo, está conectada à dinâmica econômica global”, explicou.
Após a reorganização do planejamento estratégico da Aneel, o principal objetivo da agência passou a ser garantir que a regulação contribua para a transição com eficiência na alocação de custos e responsabilidade social e climática. A partir disso, foi realizado um mapeamento de todas as políticas climáticas e acordos dos quais o Brasil faz parte, com o intuito de orientar áreas técnicas e reforçar como a regulação está alinhada às metas climáticas.
Agnes também apontou para a necessidade de debater os efeitos socioeconômicos da transição. Segundo a diretora, se, inicialmente, a discussão esteve associada principalmente à realocação profissional a partir da queda de produção de determinadas indústrias, países em desenvolvimento como o Brasil precisam olhar para questões mais amplas, como oportunidade de inclusão e redução de desigualdades. “Nossa visão deve ser de uma transição energética justa e, especialmente, inclusiva”, afirmou.
