Preserva.Me 2021: Arquivos pessoais e histórias de vida + Arquivos pessoais: experiências e perspectivas

Postado em 25/10/2021
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A sétima edição do Encontro Internacional de Preservação e Memória, Preserva.Me 2021, começou na manhã desta segunda-feira, 25 de outubro, apresentando o painel “Arquivos pessoais e histórias de vida”. Verena Alberti, professora da Faculdade de Educação da Uerj, e Luciana Heymann, pesquisadora do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, debateram o tema a partir da perspectiva da trajetória do antropólogo, educador e político Darcy Ribeiro (1922–1997). Verena e Luciana abordaram o processo de reunião do acervo do pensador na Fundação Darcy Ribeiro (Fundar) e destacaram o caráter múltiplo do antropólogo, que atuava em várias frentes. No painel da tarde Lucia Maria Velloso de Oliveira, professora do Departamento de Ciência da Informação da UFF, e Ana Maria Camargo, professora sênior do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, debateram o tema “Arquivos pessoais: experiências e perspectivas”. Os dois painéis tiveram apresentação e mediação de Amanda Carvalho, gerente de Acervo e Pesquisa na Memória da Eletricidade.

O Preserva.Me 2021 tem como tema de sua 7ª edição “Arquivos Pessoais e Histórias de Vida”. O evento acontece entre os dias 25 e 29 de outubro, apresentando dez painéis, sempre as 10h e às 16h, com transmissão ao vivo pelo canal da Memória da Eletricidade no Youtube. Para conferir a programação, inscrever-se gratuitamente no evento ou assistir aos vídeos com os painéis anteriores, basta entrar na página do Preserva.Me 2021 clicando aqui.

Antes do primeiro debate, a doutora em Comunicação pela UFRJ e consultora da Memória da Eletricidade, Ana Paula Goulart, deu as boas-vindas ao público, passando a palavra ao presidente da instituição, Augusto Rodrigues, que destacou a importância do tema “Arquivos pessoais e histórias de vida” neste momento da história.

– É uma alegria e uma satisfação abrir esta sétima edição do Encontro Nacional de Preservação e Memória. Tenho participado dos Preserva.Me dos últimos anos e tenho que dizer que muito do que faço hoje tem a ver com o que aprendi nesses encontros, nessas trocas de experiência. Ao longo desta semana, vamos conversar com respeito a respeito de assuntos muito queridos a nós, como história oral, registros pessoais, biografias – disse Augusto Rodrigues. – “Arquivos pessoais e histórias de vida” é também o tema da terceira edição da nossa revista, "Comunicação & Memória". E este assunto é importante também porque ano que vem comemoramos o centenário do primeiro presidente da Memória, Mario Bhering. E ele guardava muita coisa. As suas filhas estão nos ajudando a montar um grande encontro sobre nosso primeiro presidente. E estamos felizes porque, na semana passada, a Memória da Eletricidade completou 35 anos. Espero que os debates e as trocas de experiência sejam muito produtivos para todos nós.

Associação Brasileira de História Oral

Jorge Kreimer, diretor-executivo da instituição, ressaltou o trabalho da equipe da Memória da Eletricidade:

– Gostaria de agradecer a todos vocês, participantes desta edição do Preserva.Me, evento tradicional. Ao longo de todo ano, criamos uma ambiente para que os debates possam ocorrer de forma ampla e, principalmente, construtiva. O que queremos é propiciar a nossos amigos é propiciar o acesso a novos saberes e novas ideias.

Ricardo Santhiago, vice-presidente a Associação Brasileira de História Oral (ABHO), convidado a inaugurar oficialmente o Preserva.Me 2021 com Augusto Rodrigues, destacou algumas das atividades da ABHO, criada em 1994 e que publica a Revista de História Oral.

– Somos uma instituição voltada para promoção, a prática e a reflexão sobre a pesquisa com história oral, atividades que se espraiam para a formação de novos pesquisadores, para ações de reconhecimento intelectual, para o estímulo de parcerias – explicou, anunciando que em julho de 2022, a ABHO promoverá, no Rio de Janeiro, um encontro sobre história oral. 

Primeiro painel: “Arquivos pessoais e histórias de vida”

Luciana Heymann iniciou o painel explicando que ela e Verena Alberti construíram juntas a apresentação inaugural do Preserva.Me 2021:

– Em vez de dividir os dois temas, arquivos pessoais e histórias de vida, nós resolvemos trabalhar juntas. E construímos uma reflexão a partir de um personagem que conecta esse binômio: Darcy Ribeiro. O pano de fundo para a nossa escolha tem alguns elementos. Um é o centenário de Darcy Ribeiro, que será comemorado ano que vem. O nosso personagem de hoje vem sendo revisitado em várias oportunidades, como no II Seminário Internacional Universidade de Brasília e Fundação Darcy Ribeiro, intitulado "Darcy Ribeiro: Pensamento contemporâneo em tempos de cólera", que ocorreu nos dias 11 e 12 de agosto deste ano na Universidade de Brasília. Ele vem sendo revisitado não só por seu centenário, mas por sua atualidade no momento em que vivemos do desmonte da educação e de ataque aos povos indígenas.

A escolha de um personagem engajado que reflete sobre a sociedade brasileira e também sobre a América Latina é consequência da urgência da necessidade de se discutir o Brasil nos dias de hoje. A pesquisadora citou os inúmeros casos de tortura e assassinato de indígenas, como o recente caso de pessoas da etnia Kaingang, mortas na Reserva da Serrinha, no Rio Grande do Sul. 

– Essas violações diagnosticam de forma dramática o diagnóstico e as preocupações do Darcy Ribeiro, que se notabilizou por defender o estudo antropológico dos povos indígenas no Brasil considerando os índios como destino. Em duas entrevistas concedidas em 1978, ele explicou sua posição: "Eu entendi que o verdadeiro tema científico com os índios eram os índios como destino, como gente que estava sendo esmagada e destruída". "Então, desenvolvi toda uma antropologia em que a ênfase fundamental é o destino dos índios, o que está sucedendo com eles".

Darcy Ribeiro, um homem de muitas peles

Verena Alberti chama a atenção para o fato de algumas interpretações de Darcy Ribeiro sobre ele mesmo tenham atravessado o tempo e sido reproduzidas em diversas ocasiões.

– Por exemplo, o sem número de matérias jornalísticas que repetiam a interpretação que ele fez de si mesmo de homem de muitas peles, que ele pronunciou no discurso de agradecimento do título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Copenhague.

Verena cita como fonte importante para se entender o pensamento e a personalidade de Darcy Ribeiro "Confissões", livro de memórias do antropólogo, lançado em 1997, mesmo ano de sua morte.

– Ele enfatizou a importância de alguns personagens para a sua formação e a sua atuação, indicando como a sua história de vida foi urdida a partir desses encontros, com Rondon e Anísio Teixeira – lembra, respondendo ainda à questão fundamental do painel de abertura do Preserva.Me 2021, para além do centenário, quais serão as razões pelas quais Darcy Ribeiro, que esteve adormecido, está voltando à tona?

– Temos a necessidade de entender o Brasil como problema. Outro assunto bastante recorrente nos arquivos de Darcy é a ideia de fracasso: como nação, como pessoa. A gente fracassou como nação? Uma terceira questão importante é o destino dos índios hoje no Brasil. Mais um tema: a educação pública gratuita e de qualidade. Assim como as ditaduras, as democracias, os golpes. Não podemos esquecer que Darcy foi chefe da Casa Civil do Governo João Goulart. Por último, está o pensamento decolonial e a importância da América Latina. Darcy Ribeiro, durante o exílio, optou por ficar na América Latina. Trabalhou no Uruguai, na Venezuela, no Chile, no Peru em projetos educacionais e recusou convites para ser professor na Sorbonne, por exemplo. Uma fala importante de Darcy era: "Ou nós comemos e dominamos o saber moderno ou nós seremos recolonizados".

Biblioteca do antropólogo como patrimônio

Sobre a formação acervo do antropólogo, Luciana, que é autora do livro "O lugar do arquivo: a construção do legado de Darcy Ribeiro" (2012), Luciana lembra que há muitos registros da história do personagem.

– Antes de "Confissões", ele escreveu outro livro biográfico, este em 1990, "Testemunho". Dois anos antes, lançou um romance que ele mesmo caracterizou como confessional, "Migo". São muitas produções biográficas. No entanto, Darcy via como patrimônio da Fundar os seus livros, os direitos autorais que advinham da venda desses livros e a sua biblioteca. Este era, para ele, o seu patrimônio, aquilo que deveria ser preservado. Ele não vislumbrava no arquivo um valor em si ou um patrimônio que pudesse interessar à posteridade.

Segundo painel: “Arquivos pessoais: experiências e perspectivas”  

O segundo painel do dia abordou o tema “Arquivos pessoais: experiências e perspectivas”. No evento virtual, iniciado às 16h, Lucia Maria Velloso de Oliveira, professora do Departamento de Ciência da Informação da UFF, e Ana Maria Camargo, professora sênior do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, fizeram apresentações sobre essa pauta sob mediação de Amanda Carvalho, gerente de Acervo e Pesquisa da Memória da Eletricidade.

– É preciso considerar arquivos pessoais e de família em sua plenitude, com todas as atividades, não apenas as mais próximas da obra – disse Camargo durante sua apresentação.

Segundo ela, a relação entre arquivos pessoais e histórias de vida não é tão óbvia como muitas pessoas podem pensar.

– Há uma dicotomia muito interessante. Essas relações aparentemente óbvias na verdade encobrem elementos importantes que ajudam a manter a relação de identidade entre arquivo e história. Mas eles não são da mesma natureza. Arquivos não são narrativos – explicou ela.

Para Lucia Maria Velloso de Oliveira, é importante demarcar o que chamamos de arquivos pessoais

– Eles são o conjunto de documentos produzidos ou acumulados por uma pessoa ou família no desempenho de suas funções em sociedade ao longo de sua trajetória. Esses documentos representam a vida de seu titular, suas redes de relacionamentos e também seu íntimo, registros de seu papel social em seu registro mais amplo – diz ela.

Desafios específicos

A organização de um arquivo pessoal apresenta características e desafios específicos.

– Ela é completamente diferente da de um arquivo institucional – observou Lúcia.

Além dessa distinção básica, os arquivos pessoais também apresentam muitas diferenças entre si que podem afetar a forma como são abordados.

– Arquivos pessoais se apresentam com diferentes graus de representatividade. Esses graus de representatividade ocorrem em função, em primeiro lugar, da obra. Conservamos arquivos pessoais em função da biografia de seu titular. Seja por obra na área da política, da ciência da literatura e de tantos outros campos, esses indivíduos têm protagonismo. Por isso se pretende preservar o que ele acumulou ao longo de sua história para podermos reconstituir sua história de vida.

Critérios

Uma outra questão discutida foram os critérios para a preservação de determinado material. Nem todas as instituições aceitam arquivos completos, o que acaba gerando uma fragmentação de muitos desses arquivos.

– Grande parte da política de acervos só aceita acervos ligados à área de produção de determinada área – disse Camargo.

– É comum instituições se interessarem por apenas parte, e isso leva ao esquartejamento do conjunto, que se transforma em várias coleções – lamentou Oliveira.

Em um mundo ideal, os arquivos seriam preservados em sua plenitude e com acesso fácil.

– Com a informática podemos ter algo mais dinâmico e menos engessado do que temos hoje, disse Camargo.

Mas essa ainda é uma questão que exige debates.

– O problema do acesso é muito sensível. O que não pode ser disponibilizado nos leva a repensar os instrumentos de pesquisa. Temos de descrever o que temos e admitir uma pesquisa no local, pois o mundo online não está perfeitamente colocado para todos nós e é no manuseio que se garante o compromisso do pesquisador com o material – completou ela.

Confira aqui a programação do Preserva.Me 2021.