Itaipu Binacional completa 47 anos

Postado em 17/05/2021
Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".

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Itaipu Binacional, a empresa responsável pela construção e operação da usina de Itaipu, está completando mais um aniversário e se aproximando de seu cinquentenário. A constituição da empresa em 17 de maio de 1974 selou o compromisso entre os governos do Brasil e do Paraguai para realizar um dos maiores aproveitamentos hidrelétricos de todos os tempos. Com capacidade estipulada em 12.600 megawatts (MW), a usina binacional despontou como o maior empreendimento do gênero no mundo. 

As bases do empreendimento foram estabelecidas no Tratado de Itaipu, assinado pelos presidentes Emílio Garrastazu Médici e Alfredo Stroessner, em 26 de abril de 1973. Válido por 50 anos, o tratado definiu as condições para o aproveitamento do grande potencial hidrelétrico do rio Paraná no trecho entre os saltos de Sete Quedas e a confluência com o rio Iguaçu, pertencente em condomínio aos dois países. No documento, foi prevista a criação da entidade binacional com o único propósito de construir e operar a usina de Itaipu.

Itaipu Binacional foi constituída com o capital de cem milhões de dólares, divididos igualmente entre a Eletrobras e a estatal paraguaia Administración Nacional de Electricidad (ANDE). O ato de constituição ocorreu na cidade de Foz do Iguaçu, estado do Paraná, com a presença dos presidentes Ernesto Geisel e Alfredo Stroessner.  

Instalada com sedes em Brasília e em Assunção, a empresa funcionaria com regime jurídico sem similar no setor energético brasileiro. Os órgãos de administração e o quadro de pessoal foram compostos de forma paritária. Para cada diretor titular foi nomeado um diretor adjunto de nacionalidade oposta. O cargo de diretor-geral foi reservado ao Brasil e ocupado inicialmente pelo general José Costa Cavalcanti, tendo como adjunto o engenheiro paraguaio Enzo Debernardi.

O empreendimento

“Itaipu foi uma ideia ousada que deu certo”, segundo o engenheiro Mario Penna Bhering, um dos responsáveis pelo êxito do empreendimento, seja como presidente da Eletrobras, seja como assessor da Itaipu Binacional no período da construção da monumental usina. Em depoimento à Memória da Eletricidade, o engenheiro lembrou os desafios técnicos e políticos de Itaipu como, por exemplo, o contencioso com a Argentina, superado apenas em 1979 com a assinatura do Acordo Tripartite entre os governos brasileiro, paraguaio e argentino. O acordo estabeleceu as condições de operação de Itaipu, da projetada usina argentino-paraguaia de Corpus, no rio Paraná, e dos demais empreendimentos energéticos na bacia comum aos três países, contribuindo para a distensão das relações entre Brasil e Argentina.

A história de Itaipu remonta a diversos estudos para o aproveitamento da energia hidráulica de Sete Quedas, um leque de quedas de grande beleza natural que marcavam o início do trecho internacional do rio Paraná. A partir de Sete Quedas, o rio servia de fronteira entre o Brasil e o Paraguai num percurso de 190 quilômetros até a confluência com o rio Iguaçu.  

O tratado de 1973 demandou um longo processo de negociação entre os dois países. Estudos contratados com um consórcio de consultores estrangeiros apontaram como sitio ideal para a construção da usina um local situado a 17quilômetros da confluência com o rio Iguaçu. Ali, encontrava-se a ilha de Itaipu que deu nome ao aproveitamento binacional. O projeto básico previu a barragem principal com 120 metros de altura, o canal de desvio do rio Paraná na margem esquerda brasileira, o vertedouro na ombreira direita do lado paraguaio, e a casa de força da usina com 18 unidades geradoras de 700 MW.  

Uma lei dura pra levantar recursos

Um mecanismo fundamental para viabilização financeira de Itaipu foi a venda compulsória de sua energia no mercado brasileiro, incluindo a considerável quantidade de energia que excederia as necessidades do Paraguai. Após a assinatura do Tratado de Itaipu, o presidente Médici encaminhou projeto de lei ao Congresso Nacional, estabelecendo um mercado cativo no Brasil para a energia da usina binacional, mediante sistema de cotas para concessionárias das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O projeto deu origem à Lei nº 5.899, promulgada em julho de 1973. O engenheiro Mario Bhering admitiu: “Era uma lei dura, ela passou, mas não sei se passaria em um governo democrático”. E acrescentou: “O problema é que, se não houvesse uma obrigatoriedade, Itaipu seria inviável. Como é que iríamos levantar recursos? De onde viria o dinheiro?”. Os recursos captados para a construção da usina, incluindo as rolagens financeiras, totalizaram 27 bilhões de dólares. A Eletrobras respondeu integralmente pelo financiamento da usina.

A questão da frequência de Itaipu foi equacionada em dezembro de 1977, após controvertido debate diplomático suscitado pela diferença entre o sistema elétrico brasileiro de 60 Hz e o paraguaio de 50 Hz. Interessado em garantir que a usina operasse exclusivamente em 60 Hz, o Brasil mostrou-se disposto a arcar com os custos da completa conversão do sistema paraguaio, mas acabou concordando com a instalação de metade das máquinas em 60 Hz e a outra metade em 50 Hz. 

Essa decisão implicou na construção de um sistema misto de transmissão para escoamento da energia ao mercado brasileiro, composto por três circuitos de corrente alternada de 750 kV para a energia em 60 Hz e dois circuitos de corrente contínua de 600 kV para a parcela de energia não utilizada pelo Paraguai. Implantados por Furnas, os dois sistemas partem da subestação de Foz do Iguaçu e conduzem energia às subestações da empresa federal em São Paulo. A transmissão de energia para o mercado paraguaio ficou a cargo da Ande. Atualmente, é realizada por linha de 500 kV até subestação próxima a região metropolitana de Assunção, principal centro de consumo paraguaio, situado a 340 km de Itaipu.

As obras

As obras civis de Itaipu foram iniciadas em janeiro de 1975 por dois consórcios de empreiteiras, um de cada país. O consórcio brasileiro, denominado União de Construtores (Unicon), reuniu as maiores empresas de construção civil pesada do país, como a Mendes Júnior, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. O projeto executivo de engenharia ficou a cargo das empresas brasileiras Themag, Promon, Engevix e Hidroservice. Os equipamentos mecânicos e elétricos foram fabricados quase integralmente no Brasil.

O canal de desvio do rio Paraná foi aberto em outubro de 1978 permitindo secar o leito original do rio e a construção da barragem principal em concreto, com blocos descomunais de gravidade aliviada. O empreendimento atingiu, então, o ponto máximo de mobilização de mão-de-obra, empregando mais de 31 mil trabalhadores. Concluída a barragem, as comportas do canal de desvio foram fechadas em outubro de 1982 para o enchimento do reservatório. Equipes do setor ambiental percorreram em barcos e lanchas toda a área que seria alagada, salvando centenas de espécies da região, numa operação conhecida como Mymba Kuera (pega-bicho em guarani). As espécies encontradas e salvas foram examinadas e marcadas para posterior distribuição por refúgios ecológicos.

O Lago de Itaipu inundou uma área de 1.350km² (770km² do lado brasileiro), represando 29 bilhões de m³ de água. A subida das águas do rio Paraná alagou áreas de florestas e terras agrícolas e provocou o desaparecimento dos Saltos de Sete Quedas, talvez o mais notório impacto negativo da construção da usina. No lado brasileiro, empreendimento atingiu 12 municípios e quatro núcleos urbanos, remanejou 40 mil pessoas e alagou parte da área ocupada pelos índios avá-guarani. Como compensação pela perda de territórios, a Itaipu Binacional paga, anualmente, royalties para municipalidades dos dois países.

Em 2000, duas unidades adicionais

Itaipu foi inaugurada oficialmente pelos presidentes João Batista Figueiredo e Alfredo Stroessner em outubro de 1984, dispondo de duas unidades geradoras. As demais unidades foram instaladas ao ritmo de duas a três por ano. Em 1991, quando completou a capacidade de 12.600 MW, a usina respondeu pelo fornecimento de 23% da energia elétrica consumida no Brasil e o atendimento de 76% do consumo paraguaio. 

Em novembro de 2000, os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luis Gonzáles Macchi assinaram contrato para a instalação de duas unidades adicionais. A inauguração oficial das novas máquinas ocorreu em maio de 2007, em solenidade que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega paraguaio Nicanor Duarte Frutos. Itaipu passou a contar com vinte unidades geradoras, atingindo a potência instalada de 14 mil MW. 

Ações socioambientais

Os programas ambientais da Itaipu Binacional foram desenvolvidos a partir da elaboração do Plano Básico para Conservação do Meio Ambiente em 1975, baseado em recomendações do consultor Robert Goodland. O documento apontou a submersão de Sete Quedas, a eliminação de 600km² de áreas florestais e de 800km² de terras agrícolas como efeitos inevitáveis do empreendimento. Não eram comuns à época considerações ambientais em projetos de geração de hidreletricidade no Brasil. No entanto, as recomendações de Goodland foram incluídas na estrutura organizacional da Itaipu, sendo atribuída à Diretoria de Coordenação a responsabilidade “pelos serviços relacionados com a preservação das condições ambientais na área do reservatório”.

Os trabalhos de redução, compensação ou eliminação dos impactos ambientais causados pela hidrelétrica compreenderam o reflorestamento às margens do seu reservatório, a criação de refúgios e reservas biológicas para animais silvestres, a recuperação de micro-bacias hidrográficas e o controle permanente das condições da água, do clima e dos sedimentos transportados e depositados no reservatório, a manutenção da biodiversidade aquática, merecendo destaque a construção do Canal da Piracema para migração dos peixes à área de procriação a montante da barragem de Itaipu. Vale destacar ainda a criação do Ecomuseu, do Centro de Educação Ambiental de Iguaçu e do Centro de Estudos e Pesquisas de Itaipu. O programa Cultivando Água Boa, criado em 2003, foi premiado pela Organização das Nações Unidas como a melhor política pública de gestão de recursos hídricos no mundo.

A estratégia ambiental da Itaipu incluiu também o comprometimento com a inserção do empreendimento no desenvolvimento regional. Com isso, vários projetos de infraestrutura foram projetados e implantados nos municípios lindeiros. Surgiram, então, os complexos públicos de lazer, como praias, marinas e portos às margens do lago de Itaipu, projetos de captação de água para abastecimento urbano, industrial e agropecuário e benfeitorias, como salas de aula, canchas esportivas, estradas e pontes.

Itaipu em revisão 

Nascida em 1974, sob o signo de dois regimes autoritários, Itaipu foi durante algum tempo alvo de críticas e dúvidas. O projeto foi considerado demasiado ambicioso por muitos, em vista das dimensões e das perspectivas de crescimento da economia brasileira após o primeiro choque do petróleo em 1973. Do lado brasileiro, havia a controvérsia quanto à estratégia de suprimento de energia às regiões Sudeste e Sul. “Venceu a tese de que era preferível negociar Itaipu desde logo, de modo que não se tornasse a única opção de energia hidrelétrica”, escreveu o professor Antonio Dias Leite, ministro das Minas e Energia à época da assinatura do Tratado de Itaipu. 

Itaipu tornou-se efetivamente estratégica para o suprimento de energia ao Brasil e ao Paraguai. A usina foi ultrapassada em capacidade instalada pela chinesa Três Gargantas (22.500 MW), mantendo, porém, a liderança em produtividade, graças à vazão mais estável do rio Paraná, regularizado pelos aproveitamentos brasileiros a montante, como Porto Primavera e Ilha Solteira. Em 2020, enfrentou a maior estiagem de todos os tempos. Mesmo assim, estabeleceu um novo recorde de produtividade, gerando 76,38 milhões de megawatt-hora (MWh) que garantiram 11,3% da energia consumida em todo o Brasil e 88% do consumo paraguaio.

Brasil e Paraguai estão agora diante do desafio da revisão do tratado de 1973, notadamente do chamado Anexo C que fixou as bases financeiras e da prestação dos serviços de eletricidade da entidade binacional. Hoje, Itaipu Binacional opera baseada nos custos de exploração e da dívida, mas poderá ir ao mercado e funcionar como uma empresa comum. Sua energia poderá ser negociada no mercado livre, sem a obrigatoriedade de compra por parte das distribuidoras brasileiras. 

Em 2023, a dívida da empresa binacional estará totalmente quitada e o custo da energia terá forte redução. Brasil e Paraguai passarão a dispor de um grande excedente financeiro anual, como destacaram os engenheiros José Luiz Alquéres e Altino Ventura Filho, ex-presidentes da Eletrobras, em artigo publicado recentemente pelo Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG). Segundo os engenheiros, esse excedente da ordem 1,5 bilhão a 2 bilhões de dólares anuais poderia garantir investimentos essenciais em programas de desenvolvimento tecnológico do setor elétrico, recuperação de bacias hidrográficas e na construção de empreendimentos estratégicos e prioritários do setor elétrico, como a conclusão de Angra III.

Referências

ALQUÉRES, José Luiz & VENTURA FILHO, Altino. Itaipu desafio da continuidade. 07 mar. 2021. Disponível em:
http://iepecdg.com.br/wp-content/uploads/2021/03/2021.03.07.ITAIPU.pdf

ALQUÉRES, José Luiz & VENTURA FILHO, Altino. Itaipu, o futuro da mina de ouro. Brazil Journal, 21 mar. 2021. Disponível em:
https://braziljournal.com/itaipu-o-futuro-da-mina-de-ouro

CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Energia elétrica e integração na América do Sul. Rio de Janeiro: Memória da Eletricidade, 2004

_____. . Panorama do setor de energia elétrica no Brasil=Panorama of electric power sector in Brazil. ed. Rio de Janeiro, 2006.

_____. O meio ambiente e o setor de energia elétrica brasileiro. Rio de Janeiro, 2009. 

DIAS, Renato Feliciano (Coord.) Ciclo de palestras: a Eletrobras e a história do setor de energia elétrica no Brasil. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1995

ESPOSITO NETO, Tomás. Um panorama da literatura relevante sobre Itaipu=An Overview of the relevant literature on Itaipu. Boletim Meridiano 47 vol. 14, n. 138, jul.-ago. 2013 [p. 37 a 44]

MELLO, Flávio Miguez de (coord.). A história das barragens no Brasil, séculos XIX, XX e XXI: cinquenta anos do Comitê Brasileiro de Barragens. Rio de Janeiro: CBDB, 2011.

LEITE, Antonio Dias. A energia do Brasil. Rio de Janeiro: Lexikon, 2014.

SALES, Claudio. Itaipu, a vez e a voz do Congresso. Canal Energia, 10 ago. 2009

Portal Itaipu Binacional:

https://www.itaipu.gov.br/sala-de-imprensa/perguntas-frequentes

https://www.itaipu.gov.br/sala-de-imprensa/noticia/itaipu-em-2020-usina-registra-melhor-produtividade-de-sua-historia

Paulo Brandi

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), iniciou carreira profissional no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). É pesquisador da Memória da Eletricidade desde 1987, onde coordenou diversos trabalhos publicados pela instituição, entre os quais, "Eletrificação rural no Brasil: uma visão histórica".