O Museu da Música de Mariana e sua expansão através do digital

Postado em 13/11/2020
Mayra Marques

É mestra em História pela Universidade Federal de Ouro Preto e doutoranda na mesma instituição com o apoio da CAPES. É co-autora do livro "Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real" em parceria com os professores Mateus Pereira e Valdei Araujo.

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Museu da Música de Mariana (reprodução da página da instituição no Facebook)

Mariana, em Minas Gerais, sempre foi uma cidade que atraiu muitos turistas devido aos seus prédios coloniais tombados como patrimônio, suas igrejas barrocas-rococós e suas ruas calçadas de pedras. Como boa marianense que sou, já havia entrado em todos os museus da cidade, mas me surpreendi quando soube que não os conhecia tão bem assim. Em 2015, durante um intercâmbio na Universidad de Jaén, Espanha, redescobri o Museu da Música de Mariana através de um dos meus professores. Ele era musicólogo e conhecia o trabalho de digitalização do acervo do Museu da Música, trabalho este que eu, até então, desconhecia. Enquanto ele se encantava com o fato de que eu, de tantas cidades brasileiras, vinha justo de Mariana, eu me envergonhava por não conhecer um acervo que já havia até mesmo recebido o Registro Regional para América Latina e Caribe do Programa Memória do Mundo, da Unesco.

Foi assim que, ao fim da graduação (e do intercâmbio), eu escolhi o Museu da Música de Mariana como objeto de estudo para a minha dissertação de mestrado, intitulada "Trajetórias do Museu da Música de Mariana: mutação e pluralização dos meios da memória cultural", defendida em 2018, na Universidade Federal de Ouro Preto. Não sendo museóloga nem musicóloga, mas historiadora, meu objetivo foi compreender como um acervo musical encontrado por acaso em um arquivo se transformou, pouco a pouco, em um museu com exposições, concertos e um acervo digitalizado reconhecido internacionalmente, analisando a sua trajetória sob a ótica dos estudos da memória cultural. Embora eu nunca tenha trabalhado neste museu, elegê-lo como objeto de pesquisa me fez conhecer, através de um olhar externo, os trabalhos ali desenvolvidos, como é o caso da digitalização e disponibilização da Coleção Dom Oscar de Oliveira, a maior e mais antiga coleção do acervo. Mas antes de falar sobre esse importante trabalho, gostaria de apresentar uma breve história da instituição.

Manuscritos musicais dos séculos XVIII e XIX descobertos em 1960

Nos anos 1960, quando D. Oscar de Oliveira era o arcebispo de Mariana, o Arquivo Eclesiástico passou por uma transferência de prédio. Graças a essa mudança, o arcebispo descobriu alguns manuscritos musicais dos séculos XVIII e XIX que, de acordo com pesquisas do musicólogo Paulo Castagna, provavelmente eram provenientes da Catedral da Sé. Ou seja, aquelas seriam músicas executadas pelos mestres de capela durante as cerimônias religiosas, um acervo importantíssimo para se compreender parte da cultura religiosa e musical do passado mineiro. Assim, o então arcebispo fundou, em 1973, o Museu da Música de Mariana, que, embora desde sempre se chamasse “museu”, continuou fazendo parte do Arquivo Eclesiástico e só passou a ter um prédio próprio com salas de exposições em 2007, muitos anos após o falecimento de D. Oscar.

Em 2014, o Museu da Música de Mariana iniciou o projeto Digitalização e Disponibilização Online da Coleção Dom Oscar de Oliveira, com o objetivo de disponibilizar mais de 40 mil imagens de fac-símiles das partituras desta coleção, que é a mais antiga e também a mais consultada do museu. Este projeto foi financiado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Mariana (COMPAT) e dirigido pelo Pe. Enzo dos Santos, diretor do Museu, e José Eduardo Liboreiro. A equipe, coordenada por Paulo Castagna, era composta pelos especialistas que trabalhavam no museu, Vítor Gomes, Sidione Viana e Gislaine Padula de Moraes, que registraram seu trabalho em artigos e comunicações que podem ser facilmente encontrados na Internet.

De acordo com os registros desse trabalho, publicados pelos pesquisadores nele envolvidos, uma câmara de digitalização foi construída no Museu para que os documentos fossem fotografados ou escaneados sem interferência da luz externa. As imagens geradas por cada documento seriam convertidas para um arquivo em formato pdf, que seria disponibilizado na base de dados on-line. As folhas dos manuscritos foram planificadas em lâminas de vidro sem que houvesse nenhum tipo de intervenção química, pois assim os documentos poderiam ser escaneados ou fotografados sem perder aspectos importantes de sua materialidade, como a sujidade, as cores, etc. As imagens digitais contêm o logotipo do museu, a codificação da imagem (seu ponto de acesso) e a dimensão original da folha do manuscrito. Além disso, o pesquisador que visite o acervo digitalizado através do site www.mmmariana.com.br pode acessar, também, algumas transcrições das partes ou partituras, além das imagens digitalizadas.

Interação com usuários de diversas partes do mundo

Outro projeto importante para a divulgação do trabalho do Museu da Música de Mariana foi a Mediação Digital e Pedagógica através de sua página no Facebook, entre os anos 2014 e 2016. Essa mediação aconteceu através de postagens diárias sobre datas comemorativas, personagens ilustres, trabalhos realizados no museu e textos informativos sobre música, história em geral e informações sobre tradições católicas, sempre acompanhados de ilustrações e textos em linguagem simples e bem-humorada. Esse trabalho permitiu que usuários de vários lugares do mundo pudessem conhecer um pouco do trabalho feito no Museu da Música de Mariana, além de possibilitar que os visitantes do museu interagissem com a instituição, compartilhando informações sobre o acervo, sobre história da música, ou até mesmo corrigindo alguma informação incorreta das postagens.

O Museu da Música de Mariana possui apenas duas salas de exposição, nas quais o visitante pode ver alguns instrumentos musicais, partituras e fac-símiles de manuscritos dos séculos XVIII e XIX. No entanto, o seu vasto acervo documental pôde ser mais reconhecido pela população através da sua atuação na Internet, disponibilizando os documentos digitalizados da Coleção Dom Oscar de Oliveira e informando os seguidores de sua página no Facebook sobre o trabalho do museu e outros fatos importantes da história da música e da cultura brasileira. Assim, o meio digital possibilitou que o museu ocupasse mais espaços do que o espaço físico, aproximando-o de seus visitantes passados e futuros, nacionais e internacionais.

Referências bibliográficas:

CASTAGNA, Paulo. O Museu da Música da Arquidiocese de Mariana (MG - Brasil) iniciou, em fevereiro de 2014, o projeto de digitalização e disponibilização on line da Coleção Dom Oscar de Oliveira, com fundos do Conselho Municipal de Patrimônio de Mariana e com previsão de término para o início de 2015. Caravelas, ano. 6, n. 3, 25 fev. 2014. Disponível em < https://f04019b3-4a63-443f-bdc0-71456250ef8b.filesusr.com/ugd/aa72f7_5753629243df43db8c6352e5b30eacfe.pdf>. Acesso em 03 de novembro de 2020.

CASTAGNA, Paulo; GOMES, Vítor; LIBOREIRO, José Eduardo; PADULA, Gislaine; SANTOS, Enzo dos; VIANA, Sidione. A digitalização da Coleção Dom Oscar de Oliveira do Museu da Música de Mariana: desafios entre a teoria e a prática arquivística e musicológica. Anais [do] X Encontro de Musicologia Histórica [recurso eletrônico]: theoria e práxis na música: uma antiga dicotomia revisitada / Marcos Holler, Luis Otávio de Sousa Santos, Rodolfo Valverde (Coord.). Juiz de Fora, Ed. UFJF: Pró-Música , 2016. Disponível em < https://archive.org/details/ADigitalizaoDaCDO/page/n5/mode/2up> Acesso em 03 de novembro de 2020.

CASTAGNA, Paulo; GOMES, Vítor; LIBOREIRO, José Eduardo; PADULA, Gislaine; SANTOS, Enzo dos; VIANA, Sidione. Mediação Digital e Pedagógica do Museu da Música de Mariana. Informativo do Caravelas, Lisboa, CESEM, FCSH, UNL, ano 6, n.4, p.4-6, 15 de maio de 2014. Disponível em < https://f04019b3-4a63-443f-bdc0-71456250ef8b.filesusr.com/ugd/aa72f7_867c8e8088254f819313f15852cb3d2e.pdf> Acesso em 04 de novembro de 2020.

MARQUES, Mayra de Souza. Trajetórias do Museu da Música de Mariana: mutação e pluralização dos meios da memória cultural. Dissertação (mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Ouro Preto. Mariana, 2018. Disponível em < https://www.repositorio.ufop.br/handle/123456789/10637> Acesso em 03 de novembro de 2020.

Cadastre-se no site da Memória da Eletricidade e assista ao vídeo da íntegra do painel "História digital", com Pedro Telles e Mayra Marques, no Preserva.Me 2020:


Mayra Marques

É mestra em História pela Universidade Federal de Ouro Preto e doutoranda na mesma instituição com o apoio da CAPES. É co-autora do livro "Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real" em parceria com os professores Mateus Pereira e Valdei Araujo.