Nos 65 anos de Furnas, uma entrevista com Clovis Torres, presidente da empresa

Postado em 18/04/2022
Compartilhar

Clovis Torres, presidente de Furnas

Furnas Centrais Elétricas celebrou 65 anos de fundação em fevereiro deste ano. A história da empresa confunde-se com a história do setor elétrico no Brasil. A Memória da Eletricidade aproveita o aniversário para conversar com Clovis Torres, presidente de Furnas. Torres falou sobre a importância da empresa para o desenvolvimento do país, a necessidade de modernização do setor elétrico, o investimento em fontes alternativas de energia e a criação de projetos de memória empresarial dentro da entidade.

MEMÓRIA DA ELETRICIDADE: A história de Furnas se confunde com a história recente do país. Ao longo dos seus 65 anos, a empresa cresceu, se desenvolveu e hoje está presente em todas as regiões do país. Fale um pouco dessa bela trajetória, das mudanças e da importância da empresa.

Clovis Torres: A história de Furnas diz muito da história de nosso país. A empresa foi fundada em 1957, quando o Brasil começava a se modernizar e demandava energia para a crescente urbanização, assim como para o desenvolvimento industrial. Foram, então, iniciadas as obras da primeira hidrelétrica brasileira de grande porte, com capacidade superior a mil megawatts. A Usina de Furnas, em Minas Gerais, foi a principal iniciativa do governo Juscelino Kubitschek no setor de energia elétrica e um dos marcos da política desenvolvimentista da época. A ideia era aproveitar o potencial energético do Rio Grande e criar um sistema integrado de geração e transmissão para a Região Sudeste. O sistema de transmissão em 345 quilovolts era inédito no Hemisfério Sul. Furnas foi, assim, o embrião do Sistema Interligado Nacional. Muitos outros empreendimentos pioneiros e desafiadores vieram em seguida, tanto na geração por diferentes fontes, como na transmissão de energia. Furnas foi a responsável pela implantação de Angra 1, a primeira usina nuclear do país. Para a transmissão, foi criado o gigantesco Sistema de Itaipu. Mais recentemente, a empresa iniciou projetos para geração eólica e fotovoltaica. Hoje, o Sistema Furnas está presente em 15 estados brasileiros e no Distrito Federal. Compreende 21 hidrelétricas, duas termelétricas e um complexo eólico. E conta com 72 subestações e 35 mil quilômetros de linhas de transmissão. Mais de 40% da energia consumida no Brasil passa pelo Sistema Furnas.

ME: Quais são os principais desafios para o futuro de Furnas?

Clovis Torres: Todo o setor elétrico no Brasil tem o desafio de crescer com projetos em fontes alternativas, renováveis, econômicas. Furnas tem investido em plantas eólicas e fotovoltaicas. Mas, tratando-se de fontes intermitentes, resta-nos ainda o desafio de garantir a confiabilidade no fornecimento. E aí entram as hidrelétricas, que devem ser rentáveis. O GSF (generation scaling fator), indicador de risco que analisa a geração de cada usina em relação à sua garantia física, como está hoje, não leva em conta o incremento de energia alternativa e penaliza a geração hidráulica. Isso precisa ser repensado. Outro desafio enfrentado no setor são as perdas. Furnas é reconhecida pela sua eficiência operacional, mas seguimos investindo constantemente em tecnologias para garantir que, em nossos processos, sobretudo na transmissão, as perdas sejam irrisórias. Finalmente, temos o desafio de buscar inovações. Estamos próximos de um processo de capitalização que nos exigirá competitividade crescente. Furnas tem buscado apropriar-se das mais arrojadas tecnologias digitais, tem feito parcerias com startups, tem apoiado a pesquisa e o desenvolvimento de soluções, visando aumentar a sua produtividade e a de todo o setor elétrico.

ME: A empresa, historicamente, tem um compromisso com a preservação do meio ambiente. Quais são, hoje, os principais projetos sustentáveis de Furnas?

Clovis Torres: A sustentabilidade permeia todas as iniciativas da empresa, a começar pela sua atividade de geração de energia: 97% da capacidade instalada no Sistema Furnas é proveniente de fontes de energia limpa e renovável. A empresa mantém constantes monitoramentos ambientais para controle do impacto de suas atividades no clima, na hidrologia, na topografia e morfologia do solo, entre outros. E, para além das suas operações, Furnas incentiva a sociedade a preservar o meio ambiente, criando campanhas educativas e ações para estímulo ao consumo consciente de energia, à biodiversidade, ao manejo de resíduos, à recuperação de ecossistemas e para combate às queimadas e soltura de balões. Em 2021, a empresa lançou seu primeiro Edital Socioambiental, patrocinando iniciativas de organizações sem fins lucrativos em diversos municípios. Nos últimos três anos, a empresa apoiou 96 projetos na área de educação, esporte, saúde, meio ambiente, cultura, geração de trabalho e renda, garantia dos direitos da criança, do adolescente e da pessoa idosa, totalizando um investimento social de mais de R$ 8,7 milhões.

ME: Ainda falando deste tema, a humanidade hoje enfrenta questões sérias relativas ao futuro do planeta. Particularmente no setor de energia, há um debate global sobre o incremento da utilização de matrizes energéticas alternativas, como a eólica e a solar. Como Furnas participa desse debate e quais são as iniciativas da empresa?

Clovis Torres: Furnas participa intensamente deste debate, pois diz respeito a seu planejamento de expansão. A empresa acompanha os movimentos globais de transição energética e faz investimentos em plantas eólicas e fotovoltaicas: inauguramos o Complexo Eólico de Fortim, no Ceará, com cinco parques eólicos, 41 aerogeradores e capacidade total instalada de 123 MW; e também iniciamos a operação de três plantas fotovoltaicas junto à Hidrelétrica de Anta (RJ/MG), com capacidade de 1 MW cada. Foi a estreia da empresa na geração distribuída. Considerando a intermitência destas fontes renováveis, temos investido em projetos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para criar soluções de armazenamento energético. Entre as alternativas em estudo está o armazenamento em hidrogênio. Em 2021, Furnas inaugurou uma planta de hidrogênio verde, junto à Usina Hidrelétrica de Itumbiara (MG/GO). Estamos muito atentos a todas as possibilidades apresentadas por este que vem sendo considerado o combustível do futuro. Ainda com referência às fontes renováveis, vale destacar que Furnas participa ativamente do mercado de certificação, incentivando o uso de energia limpa por grandes corporações. Além do I-REC, certificado de energia renovável emitido pela plataforma internacional I-REC Standard, FURNAS também comercializa o RECFY, certificado emitido por uma plataforma própria, desenvolvida dentro da empresa, com uso da tecnologia blockchain. Esta é uma alternativa de menor custo para empresas que querem a certificação do uso de energia renovável.  

ME: Especificamente sobre o setor elétrico, quais são os principais desafios para sua modernização no Brasil?

Clovis Torres: A modernização do setor elétrico é um assunto em pauta há vários anos e razão de algumas propostas em debate no Congresso Nacional. Basicamente, o que se discute são aspectos regulatórios e a abertura do mercado livre, que, sem dúvida, poderá trazer uma nova dinâmica ao setor, além do esperado aumento na competitividade e consequente redução de preços da energia. A aplicação prática da abertura, no entanto, é complexa e ainda carece de muitas definições. Para a garantia de investimentos e a expansão do setor é preciso também que se alcance maior previsibilidade. Hoje as incertezas são entraves para alguns grandes projetos. 

ME: Um dos projetos relevantes da empresa para difundir o seu legado é o Memória Furnas. Fale um pouco do projeto e da importância da preservação da história do setor de energia brasileiro.

Clovis Torres: A memória, além de fortalecer a identidade empresarial, é fundamental para a transmissão de conhecimentos de geração para geração. Furnas, então, criou um projeto que incentiva não só os seus colaboradores, como outros públicos interessados – pesquisadores, estudiosos do setor – a contar a história da empresa e, principalmente, das pessoas que fizeram e fazem essa história. Inicialmente, criamos uma Curadoria de Resgate da Memória de Furnas, que passou a reunir e tratar o acervo da empresa, distribuído por empreendimentos nas cinco regiões do país. Depois, em parceria com o Museu da Pessoa, o projeto Memória Furnas passou a convidar a todos para compartilhar as suas lembranças e experiências relacionadas à empresa. Como resultado desse trabalho, estamos inaugurando no Mirante da Usina, junto à barragem de Furnas, em Minas Gerais, a exposição “FURNAS 65 anos”. Com fotos, documentos impressos e vídeos do acervo da companhia e dos colaboradores, a mostra destaca a construção da Usina de Furnas, as primeiras linhas de transmissão, o compromisso socioambiental da empresa e, em especial, as pessoas que fizeram a história de Furnas.